domingo, 26 de julho de 2009

Gritos.

Sentia um nó na garganta enquanto descia por aquelas intermináveis escadas. Os degraus não eram muitos. Mas eles gritavam. Dentro de mim todos aqueles intocáveis demônios gritavam.
Ensurdecido, chorava e não podia falar. A respiração aturdia e aclamava todos os pontos que ali havia.
A roda-gigante colorida girava. Eram quarenta e dois degraus. Com toda a certeza de que eram. Ali, todos misturados junto à carnificina exposta dessa gente imunda. A sala cheia. E a platéia surda que gritava. Interrompiam em um dos cantos os que se tocavam. A menina se cortava enquanto a fumaça formava as bolhas displicentes de agonia. Todos envolvidos pela fumaça branca que se espalhava.
Não sabia qual era mais as cores dos teus próprios olhos. Na verdade nunca soube o que lhe fazia acalmar o espírito, enquanto os demônios aplaudiam a orquestra surda que o calava.
A orquestra falava enquanto a platéia cantava. Todos juntos quando a semântica fora perdida no terceiro degrau do segundo andar. Tropeçava embriagado pela sua própria saliva e o torpor que agredia fazia com que as coisas pairassem no ar e a banda pausadamente interrompia a cena.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Cobertor.

Dessa vez foi o silêncio quem interrompeu as próximas falas. Os olhares trocados foram de renúncia, do outro lado, o medo. Ela pensava em como seriam os lábios que não ousaria tocar, depois, o agride.
Ele rasgava os papéis antigos sem pensar em nada. Perdido na esperança de encontrá-la novamente como no ontem, onde nada tinha se alterado. Ausente o ego antes priorizado. Agora as lembranças do café que deixaram de viver juntos no domingo à noite...
As coisas estavam em desordem, e ele pensava em se atirar pra perto, ela, buscando uma maneira de não pensar em nada e fugir.
Ambos choraram.
As malas não estariam prontas para a partida sem o lenço branco pendurado na madeira escura.
Ainda sentia o cheiro dela por toda a parte. Atormentado com os pensamentos não pôde dormir. Pensava tão fortemente nela que seu coração machucado, na ânsia de bater mais forte o fazia gritar...
As indagações e todas as vezes que riram juntos o fazia repensar se estaria errado. Talvez. O melhor seria ele renunciar suas buscas maiores? E ela? Que faria com tanto rumor? Ele trocaria de roupas todas as noites. Ela o veria pela primeira vez vestido. As coisas nunca foram ditas. A barreira. A culpa por não poder ter aquilo que gostaria de ser. Ela num ato de proteção o machucou. Ferido ele não pode mais pensar em nada.
Os verbos tão distintos. O abraço foi rápido, quase que os corpos não se tocam, ele insiste, ela corre.
A imperfeição faz das coisas comuns. Ambos sofrem. Juntos, eles se evitam. Porque amar é tão complicado? Porque as pessoas são tão diferentes a ponto de não poderem firmar seus ideais sem agredir.
Que ela estaria fazendo agora sem ele? As coisas estavam acontecendo a todo instante enquanto ela o deixava partir... A complexidade de aceitar que as coisas são distintas munidas pela cultura do falso moralismo transgredido pela descendência morta de preconceitos e doenças dos olhos e ouvidos não a deixava aceitar que o amava sem medo. E na verdade o medo era algo externo. A pele áspera que só os outros veriam.
Depois de renegar todo um tempo em que passaram juntos. Deixa estar, passando aquele filme onde o ator principal é esquecido entre meio aos rascunhos da gaveta do armário empoeirado.
Ela o evitava olhar nos olhos, enquanto ele a buscava seduzir pela voz triste, era inevitável morrer novamente.
Fora a equidise acirrada, sentiriam os dois na verdade a mesma história com pontos distintos. Mas nem um dos dois abririam mão de suas razões. Um por viver aquilo que a sociedade impõe. O outro por infringir essas tão aclamadas imposições.
A escolha por ser feliz era quem falava mais alto e ditava as regras. Ela, o tentava moldar, na falsa esperança de que o transformaria em argila, mas em vão, quanto mais água ela punha, mais a areia fina escorregava pelos cantos...
Era noite e ele sentia frio enquanto rascunhava seus versos tristes, compostos pela angustia de não poder tocá-la com a mesma liberdade. Coberto pelos desejos era incapaz de adormecer...
O corpo cálido à esperança que morria a cada batida forte que sentia na respiração descontrolada.

“Se és capaz de arriscar numa única parada, tudo quanto ganhaste em toda a tua vida. E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada, resignado, tornar ao ponto de partida.”