domingo, 25 de outubro de 2009

Desencontros

Je n'ai rien à sentir...

Ele vestiu a sua melhor roupa. A que melhor que lhe cabia naquele momento. Não. Não teve a companhia do seu melhor perfume, que, aliás, havia acabado no encontro passado. Dessa vez saiu em busca daquilo que lhe parecia ser o seu ideal. E sozinho, ele saiu.
Sufocado pelo frio ele não hesitou em pegar seu casaco mais pesado.
Chovia por todo o caminho, mas o frio não era presente. A vontade de seguir. De sentir o fez pensar em ser humano.
Ele pensou em plantar um jardim, mas resolveu levar apenas uma rosa e com o sorriso despido demonstrar que veio em busca de amor.
A rosa. Os chocolates e as duas garrafas do bom vinho tinto. Confesso. Junto à esperança do novo começo, de um novo começo. Ratifico. Depois confesso.
A ansiedade que era bem maior do que a vontade de estar aconchegado naqueles braços que ele ainda não conhecia.
Sem sua capa preta de chuva ele saiu em busca de algo que lhe parecesse pleno. Por instantes se perdeu entre a vontade de ser e estar. Logo se reencontrava solitário numa daquelas ruas estreitas com nomes elegantes onde muitas pessoas, já mortas deviam também já ter passado.
Encontrava-se agora numa esquina qualquer entre o desejo de estar perto e o medo do desconhecido, que a cada segundo se tornava ainda mais desconhecido. As horas? Mais uma vez confesso estar perdido no tempo e esqueci de dizer a princípio que ele deveria ter se atrasado mais onze minutos.
Não tinha nada pra sentir, nem antes. Muito menos agora em que a espera é bem maior do que a vontade, de ser ao menos, visto.
O elevador pequeno, adaptado para apenas alguém solitário como ele, parou. Havia chegado o momento. Mas em qual das tantas portas estaria o talvez grande amor da sua vida?
Entrou meio que rispidamente e não ousou tocar em nada.
Eles não trocaram olhares. Não a primeira vista. Não. A primeira vista não aconteceram olhares perdidos. Eles não estavam apaixonados. As mãos se tocaram por encontro de um pequeno gesto de costume. Algo como quem dissesse: Seja bem vindo.
Ele se ajeitou meio que sorrateiramente no meio do sofá. Talvez tenha escolhido o seu melhor lado. E talvez ele se sentisse pouco menos denso. Pouco menos intenso. Pouco menos drástico. Pouco menos inspirado. Pouco. Menos tudo. Ele não esperava nada além das trocas de olhares sinceros em que algum momento aconteceu.
Mentira. Ele esperava grandes conversas até o amanhecer, talvez observar até que o sol retese a luz da ultima estrela do céu. Isso também não aconteceu. Chovia. Não sei se dentro ou fora dali. Mas chovia. Talvez mais dentro que fora. Era vívido, intenso e ele queria mais.
Sentia frio quando os braços lhe tocaram com certo peso e cuidado. Ele acariciava. Depois parava. Talvez pegasse no sono. Mas não. Não vou saber. E você? Quem sabe.
Ele se vestia pra partir quando resolveu abaixar a cabeça e sentir que as lágrimas correriam. Segurou firme para não chorar. De forte que era. Travestido de esse novo ser cujo coração era de pedra. Não. Cujo coração deveria ser de pedra.
Não fechou a porta e não olhou para trás, pegou seu casado pesado e entrou no mesmo elevador cujo espaço era apenas para uma pessoa. Talvez por isso ele tenha saído com os dois pés no chão. Embora ainda insistisse em querer voar. Embora seu coração batesse tão forte quando ele o tocava. Embora a poucas vezes que ousou tocar nos lábios sentiu que eram de um especial intenso. Único.
Ele partiu. E não há nada de mais, nada a mais o que sentir. Nada mais no que pensar. A não ser no momento em que possa dizer olá uma outra vez. Mesmo que os olhos não se encontrem novamente.
Numa outra vez de sentir seu coração calado bater mais forte e menos frio. Talvez de também sentir o seu corpo quente sobrepondo o dele. Talvez ele pense o mesmo. E talvez eles nunca mais se encontrem. Não há nada para acabar. Nada aconteceu. Repito. Nada.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O sal

“Veja você, onde é que tudo foi desabar
A gente corre pra se esconder
E se amar, se amar até o fim
Sem saber que o fim já vai chegar ”


A história é interrompida como todas as outras.
Minha maturidade, ou o meu egoísmo, ou a mescla desses dois extremos não me permitem gritar. Esse sofrimento é cálido. Triste. E ao mesmo tempo sublime e incapaz de ser descrito.
Um vazio. Oco. Uma solidão imediata toma conta de toda a carne viva, que agora apodrece trêfega.
Algo que engole e mastiga ao mesmo tempo. Aperta o peito. Um nó dissimulado na garganta. A cara inchada e os olhos vermelhos, e as lágrimas insistem em martirizar um pouco mais. Vontade de gritar. Mas de invisível que sou, engulo cada lágrima salgada antes que escorram pelos lábios e eu seja capaz de sentir o sal.
Mas a esquete ainda não tinha terminado. Os atores estavam se maquiando no camarim. Ela saiu correndo com o batom vermelho borrado pela boca quando soube de tudo. Ou de nada. As coisas terminaram no mesmo acaso em que começaram. A dor é inevitável.
Mas com toda a força de uma vida, segue adiante. O caminho está livre agora. O fim e o começo de uma nova vida, ou a hora de sua morte.
Descanse em paz.
Depois, sorria.

“Abre a janela agora
Deixa que o sol te veja
É só lembrar que o amor é tão maior
Que estamos sós no céu...”