sábado, 4 de fevereiro de 2012

Dois pontos


“Nem todo abraço é à vista, todo mundo é artista
 Nem um ponto de vista vai ser ponto final”

Era quente, ainda que o verão estivesse prestes a terminar, pelo menos em sua mente, que buscava um equilíbrio entre sentir e estar.
As portas estavam fechadas, embora sem trincos. Podia ouvir os passos no assoalho inexistente. O que lhe consolava era um velho e barulhento ventilador, que amenizava o calor, mas tomava-lhe toda a paz conquista. Além do barulho. O vento. O pouco do vento que ousara circular naquele ambiente estagnado. O mesmo que tirava as beiradas do tapete de trapos do lugar.
Olhou atônito pela fresta da cortina de cor amarela. Não é como das outras janelas que pudera se equilibrar com os resquícios da lua. Sentia se preso. Embora totalmente alheio à proteção.
Desprovido das chaves que de certa forma o prendiam a sensação de estar aberto ao que quer que seja. Indevidamente.
As lembranças eram reais, de tal forma que não podia mais separar do imaginário àquilo que lhe discorria a caneta sob a folha rasgada.
Estava entre o composto da mobília branca e a estante de livro, ainda inexistente.
Fingia acreditar nas pessoas apesar de suas doenças, as quais não lhe faziam o menor sentido. Já terminara de forjar o cenário ideal, faltava-lhe ainda pouco mais da inocência perdida. Mergulhou-se em si, inquieto. Desprovido do que quer fosse, estagnou aquilo que os outros chamariam de sentimentos. Enquanto ele preferia acreditar na pele vívida que lhe cabia. Embora ainda avermelhada pelas diversas incompatibilidades. Dessa vez não se encontrava nu. Reminiscências de mais um dia cumprido. Como se ousasse entrar no seu estado de inércia pra tentar viver àquilo que lhe fora proposto. Descabido de qualquer ressentimento, abriu os olhos, vermelhos das lamurias que indagava a pouco, restava-lhe o próximo contexto. Ou a espera.
Tentava ser além daquilo que lhe fora proposto, o composto das frases que acreditar por fazer qualquer sentido. Precisava seguir adiante, mesmo que pra isso fosse necessário cessar na idéia os ideais daquela estante empoeirada de livros que ainda não ousou.
Era cedo demais para tamanha demagogia e outras tantas coisas mais que lhe passava na cabeça ao mesmo instante.
As luzes coloridas piscavam de forma a solucionar o puzzle e nada mais precisaria ser dito. Estava repleto de si. Embora a serenidade lhe fosse roubada pelo cotidiano.
Falta-lhe tanto. Tantos. Tantas. Faltava-lhe o poder. A mudança.
De fronte aos seus monstros, forjava serenidade. As coisas encaminhar-se-iam para qualquer lado. E de todas as formas o amargo estaria. Estaria ali por sentir. Ou. Esperando o grito da largada.
Estava entre a chegada e a partida. Lembrava-se das poesias de domingo. Do violão desafinado. E daquela voz que o sustentava. Lembrava-se dos momentos em que além de sentir sabia que aquilo é que era felicidade. Nunca ousou de outra forma. Os pontos estavam no devido lugar. Embora.
Lembrava-se das promessas que nunca precisaram ser ditas. Eram concretas e por ali estavam. Era vivo. Sentia. A música fazia o maior sentido enquanto contornava as vivências com sorriso estampado nos lábios.
Descrevia o que o outro sentia de forma a viver aquilo que dizia. Foi o mais real de suas alusões. Era o perfeito destemido naquele corpo. Como se as pressões, suas frustrações fossem apenas erros da natureza. As frustrações ocupariam espaços entre as desculpas pra fugir do vazio que sentia ao pensar na ausência daquele sorriso. No tudo que ficara pra trás.