segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sujeito Oculto

Estava ótimo ontem. Deveria ter morrido ontem.
"Não morreu. Estava vivo quando sentiu o hálito quente pela manhã."
Entre tantos os furores que se passavam por dentro de si. Afagou-se de tragédia. E dela ostentou-se até sentir-se ao avesso do que se passava, de fato. Sentia a ponta dos dedos, os carregava até os olhos. De fato. Ileso ao que se passava. "E vivo. Estava vivo."
"Olhava. Não reconhecia o cômodo à sua volta. Não reconhecia as roupas que usava. Nem mesmo o rosto no porta-retratos."
Eram fotografias fora de foco, como as do texto passado. Estavam todas borradas. Sujas do batom da historia da puta. Faltou-lhe o incenso. A fim de botar fogo na casa. Como talvez ostentasse Lispector.
Histórias remotas lhes passavam à cabeça. Do perfume que não ousara usar. Do outro que exageradamente lhe tapava as narinas.
Segurava as vertentes dos olhos vermelhos, fora de foco. As cores paralelas se perdiam entre si. Abismo em que criara para seu próprio refúgio.
Não sabia mais viver sem suas drogas. Elas gritavam dentro de si. O mundo girava. Toda mobília descomposta e os livros espalhados pelo chão. A citação perfeita fragmentada pela ânsia da produção.
Levantou-se e despiu-se frente ao espelho. Sentia frio. Flashes de inverno em meio à tanta neblina. 
"Seu corpo estava coberto de manchas.
Manchas roxas, amarelas. Não lembrava como, quando, por quem."
As manchas lhe davam náuseas de algo que sua mente não conseguia resgatar.
Sentia frio na espinha. Sentia cada vértebra que gritava por seus álibis. Era perfeita a forma de como entregava o corpo ao vento. Decompondo-se nas notas mais doces. Eram anseios da melhor nota conquista. Onde parábolas faziam girar no canto obstruído de qualquer luz.
Vomitava sob seu corpo de forma a lavar o que se sentia. 
A música passava por cada vértebra. Era silêncio entre meios aos gritos. Esperança era o que arrancava com os dedos. 
Mastigado por seus pensamentos acéfalos, perdidos dos fragmentos daquele silêncio obstruído. 
Estava ali, perdido. Singular. Caminhava cada um dentro da sua solidão latente. Não havia espaço para dor, ressentimento. De carnificina é de que se era composto.
"Mas a noite era larga e oca." Ou oca e larga. "Nem um sopro movia as persianas do quarto."
"Deitou-se no chão frio. Encarando o teto."
Ouviu gritos que saiam de si. Ultrapassava os olhos, juntou seus joelhos frente ao rosto na tentativa de fugir dessa bipolaridade. Fechou os olhos, no mais forte que pode. Apertou os punhos e sentiu dor física latente. O chão estava frio demais para aquelas vértebras, que estavam a caminho de pó. 
Sentia. Sentia. O corpo gritando seu silêncio. Sem espaço para fuga. O Desespero.
Aumentou os decibéis a fim de ocultar seus próprios gritos.
Girava seu rosto pra sentir o vento fantasioso balançar os fios interrompidos pelo crescimento. Sentia o amargo descendo garganta abaixo. No avesso, navegava aquele profundo sentido daquilo que se permite ser.

MARCHIOLI, Gabriel. RIBEIRO, Damaris. Sujeito Oculto, 2012.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Fora de foco

E de repente as coisas não saem conforme o esboço. O deslize está em acreditar que poderia ser diferente, ou na falência dos planos do outro que se distinguem dos seus.
Como reflexos distorcidos àquilo que enaltece. Furor daquilo que se prega, se opondo àquilo que se pode ou que deveria sentir, ou o oposto desses opostos.
Reflexão ou estado de paciência, onde cada um sente de forma distinta, de forma que quando o espelho rebate é sentido da mesma frequência. Hipócrita na forma de pensar, o que é hostil ao que se vive.
Já não sabe até onde pode ir com esse anseio que tem em mãos, onde os valores não são vistos de forma homogênea e o estado de espírito rebate àquilo que involuntariamente julga como o abismo dos detalhes.
Rejeição na junção dos órgãos, onde a incompatibilidade o faz pensar em saber lidar com o abismo que existe na separação de onde se começa e termina o outro. Devaneios de saber como lidar com o que existe do outro dentro de si.
Não é mais uma simples divergência de fatos. Opostos ao prisma que brilha demasiadamente e o faz cegar para os verdadeiros sentidos do que se vê, ou acredita, ou do que assente o outro. Os fatos permutam de maneira inexata e corriqueira onde relevar pode ser mais agressivo do que lidar com esse reflexo, de fato.
E pronto, um pequeno disparate seguido de outro faz arrancar dos olhos os anseios da cena seguinte. O sol se pondo no meio do dia e a qualidade da imagem em decadência.
O som incidindo aos olhos, numa ardência irreparável. Olhos que dizem mais daquilo que sentimos que as próprias palavras. Que em sua conjugação imperfeita é seguida de dores latentes. Nó na garganta e a falta de ar são o que o sufoca agora. Despeito, descaso ou ciúmes? Pouco importa, já não tem mais sol para corrigir as imperfeições e a noite o faz apagar a imagem que só pode ser sentida se vista por dentro. E de lá de dentro o corpo se virando no avesso pra digerir quão compassivo pode se tornar o outro.
Deparou-se com as pontas dos dedos brincando com um fio de cabelo que encontrou entre as teclas. Os dedos poderiam ser sentidos como se fizessem o papel inverso, onde eram as teclas que açoitavam os dedos.
Agora estava perdido entre as raízes vermelhas que envolviam sua íris. Estava sobreposto à camada de nostalgia que refletiam dos seus olhos alagados. Sentia clemência de si e dos sentimentos que por ali vagavam. Afeiçoou-se junto aos seus cabelos ainda úmidos num gesto de sustento. Equilíbrio. De encontro. 
Usurpou-se do que lhe ainda restava de oxigênio. Sentiu. Ponderou. As coisas permaneciam estáticas. O vento não fazia sacudir as roupas do varal. Sentia-se ilhado dentro do reflexo que ponderava no espelho.
Sentia-se só. Tendo que afadigar-se das duas confinas que os compunham naquela esfera de sentimentalidades. Calculou os sentidos. Tentativa abrupta de colocar as coisas em seu devido lugar. Acreditando hipoteticamente chegar a algum lugar. 
Projetou seus sentimentos a uma ponte estreita. Perigosa. Onde as bordas já gastas pelo tempo o fizessem sentir na pele os anseios da queda. Onde, com as próprias abjeções, fosse apenas devaneios em meio a tanta neblina. Onde o que o outro sentia fosse apenas detalhe de uma trajetória do que estava por vir.
Foi então que tomou partido de reaver suas pernas para que pudesse dar seus próprios passos. Percebeu quão difícil era a caminhada quando há tempos não o praticava. 
O Olhar interno de seu próprio abismo, na ideia de reconstruir os sonetos que perderam a fálica melodia por conta de tanta espera. Entre a espera, aquilo que se é o medo de fazer o seu próprio caminho quando se percebe que nem todos os passos em que se dá, se está acompanhado. Ou do egoísmo de pensar que o outro pode caminhar sem precisar do apoio de suas mãos.
Medo. Dor. Devaneios um tanto melancólicos, fazia parte da equidise inesperada. Eram olhos grandes. Escancarados. Frente às nuvens de poeira que resolveu por ali se instalar. Estava perdido. Ofuscado. Alheio ao que se podia sentir ou impropriamente àquilo que se sentia. Que poderia ser definido como o abismo do reflexo das hipóteses.
Estava cheio das teorias mais absurdas. Ousava-se ir além. Ao mais profundo que pudesse chegar. 
Amor na sua concepção era outra coisa. Ou, o conjunto delas. Não que duvidasse da forma de amar do outro. Por esses ares estava bem tranquilo. O que buscava era o equilíbrio do que deveria sentir com os atos do outro. Ou ser capaz de entender até onde se é importante pro outro e colocar-se em seu devido buraco. Ou finalmente fingir acreditar que uma vez que os ideais não estão sempre emparelhados, haverá divergências. A tentativa agora era de busca-lo. Ou mesmo ir de encontro ao real absurdo da proposta da vida e das relações humanas.
O medo agora estava instalado na insegurança que acreditava haver no outro. Ou no desatino com que se era acolhido. Sua forma sensível de ser, era a tentativa exata dos devaneios que criava pra si. 
Não que ousasse ser além do que se é para o outro, isso se trata de valores ao que se dá. Não é nada disso. Buscava essência. Nem sempre o outro se deixava cavoucar com tanta veemência. Estava ali, precisando ser, mas havia o nó na garganta. Então “farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo por causa das pessoas. Às vezes o amor que se dá pesa quase como uma responsabilidade na pessoa que o recebe. Eu tenho essa tendência geral para exagerar, e resolvi tentar não exigir dos outros senão o mínimo. É uma forma de paz”. Do que viveria se não de amor. O alimento da alma. Da vida. (Aquela coisa da necessidade de dormir agarrado numa peça intima de roupa respirando o outro, a fim de suprir a ausência). Como que em sua própria essência. E por falar em essência, até onde o outro é capaz de te fazer mudar de humor por relapso? Ou até onde você é capaz de lidar o que se está sentindo a fim de inocentar o outro e fingir estar tudo bem? Essa é a maior e mais comum forma de fuga. De repente a válvula de escape mais ridícula que encontramos pra fugir daquilo que sentimos. A brecha do que resta entre o amor que se dá e do que se constrói por meio de um sentimento. Sentir e amar vai bem mais além do que isso. Amar é de repente, olhar com os olhos do outro, pra entender onde é que dói. Como dói e o que, de fato, se sente. Navegar pelo oceano das vivências do outro, para o entender em seu estado atual. Respeitar ou acreditar que ele não pode oferecer aquilo que não possui. E que, finalmente amar pode ser a construção das bases de sustento de uma relação. 
Mesmo nos processos de equidise mais profundos, não se pode e não se pôde amar só. Era demasiado grande o que sentia para carregar sozinho. Precisava do outro pra conseguir lidar com o peso de caminhar nas trilhas ainda brutas. Era demasiado covarde para fazê-lo só. E de solidão não se vive. De amor se vive. Foi então que depositou todas as seus sonhos no outro. Abriu seu coração e ousou com toda veracidade que jamais ousara declamar o amor que sentia.