sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Impressões

Alguns segundos e atravesso a rua. Os carros param. A gente passa. Do outro lado. A outra calçada. Fumaça e frio do lado de cá. Laços avermelhados e sorrisos brandos. Um ou outro olhar atravessa. Mas se interrompem. Do lado de cá as ondas ainda não vistas. Do lado de lá o sol.
Pela manhã os raios que atravessam a cortina. A luz do sol deixa um pouco amarelada as ruas. E do lado de cá não há estrelas. Nem mesmo a lua. Há vozes e não posso me concentrar. Equilíbrio e te encontro ao anoitecer. Vontade de ligar. Mas não. Preciso sentir mais frio.
Há um espaço aberto na cortina branca. Os carros emparelhados e o silêncio constante. O sotaque arrastado que me faz parecer pouco mais longe daqui. Longe de mim mesmo. Inconstância e o mundo girando.
Eles caminham pelas ruas. Círculos. As bolhas brancas e pretas me fazem flutuar. Fumaça por toda a escada. E lá mesmo nós paramos. Todos. Rimos e cantamos de coisas que não faziam a menor graça. Não fazia tampouco o menor sentido. Mas ali estávamos e felizes. Pelo menos é o que parecia ser. E era. Bem na verdade era. A cada canto da sala um novo som. Nova sintonia num ré bem maior que o de antes.
Os pés doem sempre. Os olhos depois se fecham. Poderia a porta se fechar a cada banho. Água quente e perigo dormir com o gás ligado.
Adaptação é a palavra. Não há janelas ao naufrágio. Consigo ver pelo espelho escuro a sombra maior da satisfação. Falta o ar na esquina. Toma o café e passa. Pega outro e te dá sono. De novo cuido de tudo sozinho. Deixo de lado os anseios. Eles é que não me esquecem. Roupas pesadas de frio. Um cobertor novo à vista. De várias cores emparelhadas. Vou sorrir mesmo que não seja assim. O medo se torna maior quando se faz frio.
Metade daquelas pessoas se vão. A festa acabou. O bolo ainda não foi cortado. Show, mas as atrações principais foram canceladas. Vamos até a outra esquina gritar mais alegorias. Põe aqui a moeda e pode passar.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Matei-me.

Apaguei as luzes acreditando não mais sentir medo. Passaram mais de quatro anos e as coisas ainda vivas. Saudade, falta e renúncia.
Botei aquela bolsa de hoje em um dos ombros e segui. Nova geração. Aquilo tudo novo. E de novo. A mesma história. Pontos de vista que me agridem. Outros que me fazem falta absurda.
Falávamos da nossa vida como se fosse estória, onde sempre há final feliz. Mas e aí? Que fazemos com as partes. As páginas que ainda não foram lidas esperando que a luz se acendesse? Ou ainda as arrancadas, para que nunca fossem descobertas.
Que boa história não tem um pouco de sangue escorrendo pelo queixo. Mas assim, na vida real a coisa é bem mais pesada. Tudo bem regado ao desespero. Medo e morte. Prefiro mesmo é na ficção.
Ele, ela e eu morremos ao entardecer. As estrelas ainda não estavam ali presentes para a cerimônia. Não me lembro nem a roupa que ele usava. Nem a dela. Era aquilo que eu mais queria. O momento. A vida. Os sonhos. Tudo ali. Mas algo me dizia que não terminaria bem de nenhuma forma. E de todos os meios eu me via só.
Como colocar na prateleira de volta ao invés dos filmes, as histórias que jamais vivemos. Os sonhos e o desejo. Quanto amor havia.
Atravessava aquela rua com mais voracidade que a vez anterior. Dessa vez havia pouco mais de sangue nos olhos. Ela sentia medo. Eu, calafrios. Ele, desespero.
Era como olhar para o espelho e decidir que a partir daquele momento seria outro e que ainda tinha um caráter a ser montado. Sem fantasias. Era a vida se fazendo presente, mostrando a cara e não pude escapar.
O portão era baixo, segurei com toda a força que pude guardar durante todo aquele tempo, dos dois lados, tudo o que amava. Tive que escolher quem morreria. Como nos balões pesados em que se tem que jogar algo fora. Ali era a vida. A única que tinha. E não tive escolhas.
Empurrei-o, depois de me morrer.
Não tive, durante dias coragem de olhar no espelho. Talvez o medo de que meus olhos me acusassem, medo de que o espelho quebrasse com tanta dor. Afinal não mais veria nada. Era como saber que perderia a visão depois de um tempo em que fora verdadeiramente feliz. Não mais veria o por do sol esperando que as estrelas ressuscitassem daquele céu azul escuro.
Não tive ao menos tempo de dizer adeus. Era como se nada tivesse acontecido. Sonho bom que se tornava pesadelo. Muita maquiagem, dor desespero. Tudo. O portão baixo. Queria não existir para não vê-lo partir.
Ela. A outra versão dos fatos. Jamais entenderia o que se passava ali, dentro de mim. A parte mais fraca que precisava do meu apoio. A dor que se escancarava. As orações que já haviam virado reza. Quanto amor destruído. Quantas noites felizes, ou aparentemente felizes. Tínhamos um do outro, os sorrisos. Coisas de criança. Criança grande que já sabia bem o sentido das palavras dor. Amor. Traição. Ódio. Desejo. Loucura. Desespero.
Fecho os olhos e lembro de como éramos felizes. Toda dor fora escondida. Existe uma barreira e jamais hei de quebrá-la.
Não sentirei saudade do que vivemos. Mas daria tudo para que tivesse sido diferente e ele a tivesse feito feliz.
Eu estaria por aí. Talvez encontrasse o porto seguro se as cortinas não se decidissem por abrir, findando o mais inocente dos espetáculos.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

carnaval

Perdi a graça, as boas maneiras e a razão de viver.
Perdi os sentidos, os lábios, e que se dane você.
Entrei devagar pela porta estreita que me engolia,
Supri-me de longas histórias e das fantasias de nunca ousei vestir.
Perdi a noção do tempo, esqueci-me de anotar a placa do carro que me trouxe até aqui.
Perdi o medo. Entrei no avião. Fiz escalas. Usei as mãos. Mas não. Não deixei de sentir.
Grudei nos teus cabelos. Fiz-te medo. Do medo que jamais ousei gritar.
Fiz poesia, derramei nostalgia, corte singular no peito com as tuas mãos.
Puxei os trilhos. Fiz barulho. Gritei o sol que interrompia o sorriso calado pela cortina quebrada.
Fiz-me de honesto, mentindo desgraça, forçando trapaças, bebi cachaça e ainda safei-me do crime que jamais cometi.
Beijei-te o rosto. A face. Escroto idiota. Sangrei os lábios que nunca vivi.
Cansei-me das luvas, cachecóis prateados que nunca tive e ainda do lenço rosado que encontrei numa esquina qualquer.
Fiz-me de pomadas. Ò silencio. Das noites frias ardendo o suor que nunca escorri.
Cansei-me da face. Da desgraça. Arranquei-me os cabelos e a barba atravessando a rua fingindo ser feliz.
Fiz do teu, o meu. Doei-me mais do que devia. Gerei filhos com trigo, mastiguei a felicidade e depois cuspi.
Cansei-me de ser rude. De ser lindo. De ser aquilo que nunca fui.
Deixei de lado os livros, andarei sobre os trilhos enquanto finjo dormir.
Vou deitar sobre o meu corpo. Arrancar teus suspiros malditos. Virar para o lado e acender um cigarro. Vou mostrar-lhe que nunca estive aqui.
As mãos aquecidas. Cansadas. A caneta falhando com o suor que desgraça. Muito ainda pra sentir.
Sabe lá por quantos montes, delírios ou fontes. Deixei-o pra trás, atravessei bem em frente a sua porta e sai.
Foi assim, meio que de lado, nem mesmo fui notado, afinal nem mesmo estive aqui.
Cansei-me de ser quem eu sou. Agora vou ser poeta e confortar-me da dor.
Aprendi a andar de trem, metrô, agora sou gente grande, estou indo ali.
Ainda não sei de volto, quem dirá quando volto.
Se por amor. Senta no banco da praça. Espera. Quebre algumas das muitas taças. Talvez eu dobre a esquina e talvez ainda, eu passe por aqui.