terça-feira, 29 de maio de 2012

Ao redor de si.


            Eram ocas as palavras que saiam dela. D’uma secura, que de tão intensa sangrava pelas laterais dos lábios.
            Não sentia frio. Nem calor, permeada pelas roupas quentes que a embrulhava. O inverno se anunciava por dentro dela. Sentia o sal adocicado dissolver por debaixo da língua. Convencia-se. Cada nova angustia do amanha serviria como aprendizado. E assim iludia-se de Ser.
            Trocou a roupa da cama. Cama intacta desde o dia em que partira. A poeira instalava-se por suas narinas e cantos esquecidos da mobília talhada, inacabada. Sentia algo que se escondia por detrás da tinta da parede. Arranhava-a com as unhas quentes.
            Não havia chuva pra sair por aí. Por aqui ficou, enclausurada de si. Faziam com que as lagrimas que a ardiam nos olhos fosse o eterno do amanhã, que não pôde presenciar.
            Sentia a penumbra por sentir-se viva. Via pelo reflexo do espelho a maquiagem que sorria pra ela. Eram sombras latentes do que se havia perdido. Apagou as luzes e seus olhos não mais brilharam naquele instante. Apagou-se uma estrela da constelação que criara outrora. Sorria as angustias dos sabores nunca entorpecidos.
            Eram fragmentos de que de fato as coisas seriam diferentes a partir d’ali. Sentou-se em seu próprio colo e acariciou-se nos cabelos. Fez longas promessas que sentia o franzir do tempo em sua pele. A velha que passava pela rua, totalmente fora do contexto, também lhe franziu a testa.
            As grades das janelas não permitia que se esticassem os braços pra colher a flor. Sentia de longe o perfume. Embora intocável. Beleza intocada. Reflexo do amor que sentia sem maiores rumores de pele. De repente, nostalgia de se buscar não se sabe o que. O único concreto – do amor que sabia que sentira.
            Fazia-se promessas cruas, exalada do vinho que não ousara tocar. Não naquela noite. Enquanto se esquivava nas delongas horas que ousara esperar pelo amanhã.
            Escrevia. Apagava. Escrevia. Apagava. Talvez a velha entende-se mais do que a si – do que de fato sentia-Se. Eram largas ruas com guias amarelas que nunca pôde observar. Tinha os olhos ofuscados por reflexos de devaneios de não se sabe bem ao certo se que se...
            Vai, sem ao certo saber pra onde. Levava consigo anseios, balburdias e cigarros emparelhados. Do papel reciclado – dos lápis de cor cinza todos esmagados. Pensou nas melhores literaturas já goela abaixo digerida. Poderia sentir o cheiro de carne podre. Sentia-se a si. Do vinho oxidado e dos controles espalhados pela casa.

3 comentários:

  1. Vc está cada dia melhor! esse post me agradou muito, senti coerência, unidade, sentido... Conseguimos ver a personagem, tocar sua angústia, talvez falte alguma coisa aí para deixa´la mais próxima do entendimento e sentimnto do leitor ou para distancia-la de maneira mais segura. Não gostei apenas da frase da secura dos lábios que sangravam, soou exagerado, meio barroco... Expressoes como o sal adocicado e sabaores nunca entorpecidos soam a mim meio clichês... veja isso, no começo o texto derrapa, mas depois firma-se a partir do 4 paragrafo.Ah e está menor, o que ajuda na leitura de um blog, condensa melhor suas ideias e dificulta perder-se em desvarios...Parabéns, foi o melhor que li até hj! grande abraço! g.

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  2. Sinto que é uma prisão que vai além das grades... talvez algo sobre a solidão da qual falamos noite passada, onde a gente se prende e espera um resgate triunfal que nunca vem.

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