terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Outro ponto

Morremos nós a todo instante. A todo instante, renasce nós. É essencial que se morra para que se crie.
Morremos ao acordar, acordamos ao morrer. A morte é um ponto. Eu sou um ponto. Você é um ponto.
Você é o começo, começo de um novo ponto. No ponto instaura-se a morte, o começo, e a morte, outra vez.
Morre-se quando se está preso. A prisão é a morte. A prisão é a morte. Morre-se quando se está livre, quando se é livre. A liberdade é a prisão, e a prisão, é a morte. E do contrário, não há maneira de se ser o oposto. Ser o oposto, é morrer, é a escolha.
Escolher é a morte do que poderia ter sido. Nós vivemos de morte, onde o corpo é o inimigo mais ativo. Morre-se, constantemente. A morte é precisa onde se é preciso morrer.
A morte é o início da vida, a coroa da moeda.
Morre um ano para nascer outro. É necessário morrer.
O cabelo morre para dar vida a outro e ao outro.
Morre-se em todos os sentidos. Morre-se a epiderme, morrem-se as unhas, morrem-se os suores.
O sal representa melhor do que nada a morte. A morte é a representação do sal em resposta ao corpo, que morre.
Morre-se quando se diz não. Morre-se quando se está de acordo. É a morte do não que faz com que a morte seja o presente, presente.
O sufoco é a morte. O lugar é o sufoco. O lugar sufoca. Morre-se a cada palavra. Morre-se a cada gesto meu aqui, morre-se, por outro gesto meu, que aguarda e morre-se. O sufoco é a morte do calafrio, assim como o calafrio é a morte que passa.
Há gente que se morre sem motivos. Há motivos em que a morte é a saída, a morte é a morte, que morre. A morte é a solução, a saída é morrer-se. A saída do novo, do novo sujeito oculto. A morte é o imprevisto e por imprevisto morre-se.
Por improviso morre-se. Por impulso morre-se. Há a representação da morte até pelo gole de uísque. O liquido morre. O copo morre.
Morre-se de amor, Ama-se morrendo. E ainda morrendo, ama-se. Morre-se amando, porque amar é morrer. A escolha é a morte, mas a morte não é a escolha.  Morre-se ao acordar, morre-se o sono, porque também se morre dormindo.
Morre-se, a todo instante. E a todo instante, morre-se. Morre-se ao se dizer sim, morre-se ao dizer-se sim. A morte é o não. A morte não é escolha.
Assim, morre-se.
Morre-se, assim.
A brisa que passou é brisa morta. Morreu-se antes mesmo da ultima corrida.
Morre-se antes da ultima, do ultimo.
Morre-se.

Um comentário:

  1. Ainda quando Clarice era entrevistadora e indagou ao seu entrevistado e amigo quem era ela, esse respondeu:
    "Voce, Clarice, é uma pessoa com uma dramatica vocaçao de integridade e de totalidade. Voce busca, apaixonadamente, o seu self - centro nuclear de confluencia e de irradiaçao de força - e esta tarefa a consome e a faz sofrer. Voce procura casar dentro de vc luz e sombra, dia e noite, sol e lua. Quando conseguir - e este é trabalho de uma vida -, descobrirá , em vc o masculino e o feminino, o concavo e o convexo, o verso e o anverso, o tempo e a eternidade, o finito e o infinito, o Yang e o Yin, na harmonia do Tao - totalidade. Voce, entao, conhecerá homem e mulher - eu e voce: nos."
    Desde que nos conhecemos, para so posteriormente conhecer um pouco de Clarice, comecei e percecer a semelhança entre e busca de voces. Sua ecrita mais do que o liberta, sua escrita é sua vida, ou sua vida é sua escrita, nao ha pretençao alem da verdadeira vida que ha.

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