Mãos ásperas. Precisas. Como se tocassem a
si próprio. Dentro do eu do outro.
O corpo reagindo contrario ao toque das mãos
que permaneciam coladas no pescoço. Contorcia-se todo. Como se não houvesse
mais espaços inabitados. Precisas, contornariam aquelas curvas sutis,
redesenhando-a toda, de uma forma grave e desalinhada.
Olhos que se abraçavam ininterruptamente.
Inevitável. Sorriram. Gritaram. Trocaram-se intensamente.
Eram olhos redondos e ardentes. Fugaz, como
quem deseja. Mas incompreensível como quem vive.
Eram pedaços inteiros cortados e colados na
medida certa daquilo que precisava. O brilho deles. Esse eu jamais hei de
esquecer.
Pela segunda vez encontrei o primeiro
olhar, como quem estava perdido em seus próprios atos. Durou o instante que
tinha pra durar e ventou.
Encontrei seus lábios cítricos poucos
segundos depois. Misturados de essência e medo. Eram passos largos, como os de
quem pudesse alcançar o âmago com as próprias mãos.
Sorriu. Dessa vez de medo. Numa tentativa inútil
de não sentir ausência. Aquilo que segundos atrás se transformara em seu
inferno. Perdeu-se em seus próprios passos numa noção de tempo perdido. Sabia
que estava vivo e aquilo bastava. Jogou-se, como quem se esparrama, meio de
lado. Sentiu as pernas. Os braços. E o vento não balançou o cabelo.
Partiu e não olhou pra trás. Eram passos de
medo. Como os de quem rastejava por não saber o amanhã. Baseado nos segundos de
paraíso que pudera observar dentro daquilo que era o seu inferno.
Não foi tocado nos lábios com voracidade.
Sua mente vagava pelo limbo que criara há instantes. Lá onde não pode se vir
nos olhos dele. Calculou assimetricamente os anseios do outro e mergulhou.
Sabia que iria se encontrar. Era tudo questão de tempo. E o medo fazia com que
parecesse uma eternidade.
Olharam-se de forma a fugir um do outro. A
essência fora perdida. E por instantes eternos não se encontraram um nos olhos
do outro. Como quem busca a paz atrelaram-se os dedos. Numa medida de buscar
bruscamente a raiz daquilo que causava a dor.
Ouvi seus gritos e arrepiei-me todo. Despi-me
por completo, a fim de encontrar a semente que gerava aquela sensação oca
extasiada no céu da boca. Não pude enxergar estrelas, nem nada. Mas o conforto
veio por instante quando lembrei o seu rosto clareado pela vasta lua que nos
seguia.
Dopei-me dessa insegurança toda. Fiz
caretas no espelho numa tentativa inútil de o ser. Fui, durante segundos,
aquilo que nunca ousei ser. Fervi meu corpo e com lâminas me cortei. Sangrava
por dentro. Gangrenada. Cuspi no chão todo o desequilibro sentido. Misturei
todas as essências ao alcance dos olhos e ventei. Chorei por segundos a
paisagem opaca e embaçada dos olhos e não ousei gritar.
Abaixei a cabeça na calçada sem ladrilhos e
por lá fiquei. Senti um peso nas costas e alívio nas mãos. Buscava-o nas
entrelinhas. Havia tanto e nada pude enxergar. Deixaste-me cego. Fechei os
olhos na tentativa de fazer com que aquilo passasse. Nada, que nada. Clarice me
diria, sem rodeios, que o obvio saiu do meu âmago e que algo parecia florescer
dentro de mim. Eram tulipas de todas as cores. Despedaçadas. Vivas. Comiam-me
por dentro. Saciaram-se do que antes era o eu.
Abri os olhos. Arregalei-os. Busquei. A
claridade invadia. Ceguei-me. Abri os braços. Não havia. Procurei-o por toda
parte e não pude o sentir. Lembrei-me do texto da porta. Ela tinha razão quando
pariu. “Permito que você tome meu corpo em seus braços e que suas mãos agarrem
meus cabelos.” E nada aconteceu. Abri a caixa com a única coisa concreta que
havia. Mãos trêmulas. Desfocadas. Tentando ir ao âmago. Deixava, portanto, se
evadir.
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