terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Razões


Mãos ásperas. Precisas. Como se tocassem a si próprio. Dentro do eu do outro. 
O corpo reagindo contrario ao toque das mãos que permaneciam coladas no pescoço. Contorcia-se todo. Como se não houvesse mais espaços inabitados. Precisas, contornariam aquelas curvas sutis, redesenhando-a toda, de uma forma grave e desalinhada.
Olhos que se abraçavam ininterruptamente. Inevitável. Sorriram. Gritaram. Trocaram-se intensamente.
Eram olhos redondos e ardentes. Fugaz, como quem deseja. Mas incompreensível como quem vive.
Eram pedaços inteiros cortados e colados na medida certa daquilo que precisava. O brilho deles. Esse eu jamais hei de esquecer.
Pela segunda vez encontrei o primeiro olhar, como quem estava perdido em seus próprios atos. Durou o instante que tinha pra durar e ventou.
Encontrei seus lábios cítricos poucos segundos depois. Misturados de essência e medo. Eram passos largos, como os de quem pudesse alcançar o âmago com as próprias mãos.
Sorriu. Dessa vez de medo. Numa tentativa inútil de não sentir ausência. Aquilo que segundos atrás se transformara em seu inferno. Perdeu-se em seus próprios passos numa noção de tempo perdido. Sabia que estava vivo e aquilo bastava. Jogou-se, como quem se esparrama, meio de lado. Sentiu as pernas. Os braços. E o vento não balançou o cabelo.
Partiu e não olhou pra trás. Eram passos de medo. Como os de quem rastejava por não saber o amanhã. Baseado nos segundos de paraíso que pudera observar dentro daquilo que era o seu inferno.
Não foi tocado nos lábios com voracidade. Sua mente vagava pelo limbo que criara há instantes. Lá onde não pode se vir nos olhos dele. Calculou assimetricamente os anseios do outro e mergulhou. Sabia que iria se encontrar. Era tudo questão de tempo. E o medo fazia com que parecesse uma eternidade.
Olharam-se de forma a fugir um do outro. A essência fora perdida. E por instantes eternos não se encontraram um nos olhos do outro. Como quem busca a paz atrelaram-se os dedos. Numa medida de buscar bruscamente a raiz daquilo que causava a dor.
Ouvi seus gritos e arrepiei-me todo. Despi-me por completo, a fim de encontrar a semente que gerava aquela sensação oca extasiada no céu da boca. Não pude enxergar estrelas, nem nada. Mas o conforto veio por instante quando lembrei o seu rosto clareado pela vasta lua que nos seguia.
Dopei-me dessa insegurança toda. Fiz caretas no espelho numa tentativa inútil de o ser. Fui, durante segundos, aquilo que nunca ousei ser. Fervi meu corpo e com lâminas me cortei. Sangrava por dentro. Gangrenada. Cuspi no chão todo o desequilibro sentido. Misturei todas as essências ao alcance dos olhos e ventei. Chorei por segundos a paisagem opaca e embaçada dos olhos e não ousei gritar.
Abaixei a cabeça na calçada sem ladrilhos e por lá fiquei. Senti um peso nas costas e alívio nas mãos. Buscava-o nas entrelinhas. Havia tanto e nada pude enxergar. Deixaste-me cego. Fechei os olhos na tentativa de fazer com que aquilo passasse. Nada, que nada. Clarice me diria, sem rodeios, que o obvio saiu do meu âmago e que algo parecia florescer dentro de mim. Eram tulipas de todas as cores. Despedaçadas. Vivas. Comiam-me por dentro. Saciaram-se do que antes era o eu.
Abri os olhos. Arregalei-os. Busquei. A claridade invadia. Ceguei-me. Abri os braços. Não havia. Procurei-o por toda parte e não pude o sentir. Lembrei-me do texto da porta. Ela tinha razão quando pariu. “Permito que você tome meu corpo em seus braços e que suas mãos agarrem meus cabelos.” E nada aconteceu. Abri a caixa com a única coisa concreta que havia. Mãos trêmulas. Desfocadas. Tentando ir ao âmago. Deixava, portanto, se evadir.

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