terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Outro ponto

Morremos nós a todo instante. A todo instante, renasce nós. É essencial que se morra para que se crie.
Morremos ao acordar, acordamos ao morrer. A morte é um ponto. Eu sou um ponto. Você é um ponto.
Você é o começo, começo de um novo ponto. No ponto instaura-se a morte, o começo, e a morte, outra vez.
Morre-se quando se está preso. A prisão é a morte. A prisão é a morte. Morre-se quando se está livre, quando se é livre. A liberdade é a prisão, e a prisão, é a morte. E do contrário, não há maneira de se ser o oposto. Ser o oposto, é morrer, é a escolha.
Escolher é a morte do que poderia ter sido. Nós vivemos de morte, onde o corpo é o inimigo mais ativo. Morre-se, constantemente. A morte é precisa onde se é preciso morrer.
A morte é o início da vida, a coroa da moeda.
Morre um ano para nascer outro. É necessário morrer.
O cabelo morre para dar vida a outro e ao outro.
Morre-se em todos os sentidos. Morre-se a epiderme, morrem-se as unhas, morrem-se os suores.
O sal representa melhor do que nada a morte. A morte é a representação do sal em resposta ao corpo, que morre.
Morre-se quando se diz não. Morre-se quando se está de acordo. É a morte do não que faz com que a morte seja o presente, presente.
O sufoco é a morte. O lugar é o sufoco. O lugar sufoca. Morre-se a cada palavra. Morre-se a cada gesto meu aqui, morre-se, por outro gesto meu, que aguarda e morre-se. O sufoco é a morte do calafrio, assim como o calafrio é a morte que passa.
Há gente que se morre sem motivos. Há motivos em que a morte é a saída, a morte é a morte, que morre. A morte é a solução, a saída é morrer-se. A saída do novo, do novo sujeito oculto. A morte é o imprevisto e por imprevisto morre-se.
Por improviso morre-se. Por impulso morre-se. Há a representação da morte até pelo gole de uísque. O liquido morre. O copo morre.
Morre-se de amor, Ama-se morrendo. E ainda morrendo, ama-se. Morre-se amando, porque amar é morrer. A escolha é a morte, mas a morte não é a escolha.  Morre-se ao acordar, morre-se o sono, porque também se morre dormindo.
Morre-se, a todo instante. E a todo instante, morre-se. Morre-se ao se dizer sim, morre-se ao dizer-se sim. A morte é o não. A morte não é escolha.
Assim, morre-se.
Morre-se, assim.
A brisa que passou é brisa morta. Morreu-se antes mesmo da ultima corrida.
Morre-se antes da ultima, do ultimo.
Morre-se.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Car wheels on a gravel road


Estava ele, naquele banco, repleto de verde, não nos bancos. O verde, afirma-se concretamente na presença da lua, sem atentar a poesia que lhes cabe. Cabisbaixo, passivo de se arrancar um sorriso ou outro, ou ainda, o desalento. 
Eram reais, talvez da forma em que se despiam os olhos. De como ele o despia com os olhos, pra ser mais exato. Preso entre as descobertas interrompidas e o sorriso esguio, em que se sente vontade de beijar. Apertou-o contra o peito de forma a ostentar-se ali. E por ali permaneceu. Talvez amanhã, quem sabe? De repente, da forma como se começou, termine.
Fechou, ou fecharam os olhos, pouco tempo depois, pra sentir, o que talvez gostassem que fosse uma constante.
Sentia um misto entre dor e sobriedade. Ouvia os gritos de seu corpo, que embora, permanecia em silêncio. Aquilo que antes era leveza tornou-se pesado demais pra desvendar por aqueles lábios, cujo sorriso sobressaia-se, indiscutivelmente.
Esquivou-se pouco mais a fim de disfarçar o atrito entre seus dentes. Aumentou o som, como de costume, na espera de um pouco mais de silêncio. Forjava-se de delírios por distrair-se pouco mais sobre o vago que o tempo lhe causara. Era saudade antecipada ou apenas delírios do que haveria por estar.
Despiu-se do resto que lhe cabia na palma das mãos. Tentativa brusca de arrancar com as unhas, o exato perfeito em que ousaram naqueles instantes. Sentiu vontade de entrar naquele corpo, de forma a habitá-lo completamente. Cessou as lágrimas que não, não desceram.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Antes do começo


 Não o tocou nos lábios. Era distinta sua forma de estar. Às vezes colocava seu punho diante do peito. Outrora, cegava com o olhar.
Estava entorpecido com cheiro, gosto, essência. Mas não. Não o pôde tocar entre os braços. Teve-o entre o aperto e o peito. Entre o que ele e o outro não viam, de fato.
Deslizou pouco mais as mãos na parte superior de suas ancas. Pele doce, rústica e intensa. Pele essa na qual se perderiam noites a tentar se deixar. E desvendar.
Escreveu entre meio um sorriso e outro. No exato inalterado do seu olhar, seguidos de perguntas e quimeras. Sem. Sem respostas.
Eram distintos na forma de falar. Na forma de andar. Das mais diversas formas, eram contundentes, entretanto. E sim. Eram. Eram felizes. Com toda redundância poética que lhes cabia, então.
Apertou o cinto sem a companhia extasiada da música entorpecente. Deslizava pelas ruas, como quando em seu corpo. Indagando curvas. Sentindo cada fragmento. A cada um deles...
                                                                                                                      

domingo, 26 de agosto de 2012

Projeções

Livrou-se dos sonhos que o perturbaram por grande parte de tempo antes de ostentar-se a pegar no sono. Já lidava com essas indagações sem quimeras. Fazia-se do seu tempo e nele vivia, ostentava qualquer gesto sutil que ousara criar.
Já se entendia com a segunda xícara de café quando ousou abrir a janela. Num tom breve e direto notou que o cinza da parede onde não batia o sol, tinha-se tomado conta por mudas e sementes, e que, agora, mais um ambiente fora criado. Decidiu aguar as plantas antes mesmo de que os primeiros raios de sol as tocassem. Dessa vez teve tempo de mesclar em seus olhos as cores que por ali se compuseram, transformava-se em algo melhor do que o antes, embora ainda não tivesse a sabedoria necessária pra saber em que momento de sua vida se encontrava.
Tentou ousar-se do silêncio.
Fora interrompido diversas vezes pelas vozes que lhe diziam o que fazer. Optou por lembrar-se dos abraços, da forma como eles entrelaçavam-se na altura dos pés. Ousou ser mais do que o ontem e como num suspiro, sentiu por segundos que era de amor que aquilo tudo tratava.
O medo sempre foi uma constante para ambas das partes. O novo talvez fosse o maior de seus problemas, o deslumbramento e a espera, cada um com sua parcela de dor.
Consolou-se com as lembranças dos toques nas mãos na noite em que eram iluminados pela metade da lua que podiam ver a olho nu. Tiveram conversas e devaneios entre um trago e outro. O ar e a cumplicidade os fizeram sonhar por diversas vezes, e, por diversas vezes entreolharam-se buscando no outro, o sustento de um amanha sem data precisa pra acontecer.  
Tinham em comum o amor. Esse era o ponto de equilíbrio. Essa era a maneira em que eles ousaram se fixar. Naquela noite, se amaram como em nenhuma outra antes. Uma mistura de desejo e sobriedade os fizeram flutuar entre os paradigmas impostos por todos os lados, e, mesmo sabendo que as coisas não seriam fáceis, resolveram-se, ainda com os lábios cerrados, aquilo que valeria a pena.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Ao redor de si.


            Eram ocas as palavras que saiam dela. D’uma secura, que de tão intensa sangrava pelas laterais dos lábios.
            Não sentia frio. Nem calor, permeada pelas roupas quentes que a embrulhava. O inverno se anunciava por dentro dela. Sentia o sal adocicado dissolver por debaixo da língua. Convencia-se. Cada nova angustia do amanha serviria como aprendizado. E assim iludia-se de Ser.
            Trocou a roupa da cama. Cama intacta desde o dia em que partira. A poeira instalava-se por suas narinas e cantos esquecidos da mobília talhada, inacabada. Sentia algo que se escondia por detrás da tinta da parede. Arranhava-a com as unhas quentes.
            Não havia chuva pra sair por aí. Por aqui ficou, enclausurada de si. Faziam com que as lagrimas que a ardiam nos olhos fosse o eterno do amanhã, que não pôde presenciar.
            Sentia a penumbra por sentir-se viva. Via pelo reflexo do espelho a maquiagem que sorria pra ela. Eram sombras latentes do que se havia perdido. Apagou as luzes e seus olhos não mais brilharam naquele instante. Apagou-se uma estrela da constelação que criara outrora. Sorria as angustias dos sabores nunca entorpecidos.
            Eram fragmentos de que de fato as coisas seriam diferentes a partir d’ali. Sentou-se em seu próprio colo e acariciou-se nos cabelos. Fez longas promessas que sentia o franzir do tempo em sua pele. A velha que passava pela rua, totalmente fora do contexto, também lhe franziu a testa.
            As grades das janelas não permitia que se esticassem os braços pra colher a flor. Sentia de longe o perfume. Embora intocável. Beleza intocada. Reflexo do amor que sentia sem maiores rumores de pele. De repente, nostalgia de se buscar não se sabe o que. O único concreto – do amor que sabia que sentira.
            Fazia-se promessas cruas, exalada do vinho que não ousara tocar. Não naquela noite. Enquanto se esquivava nas delongas horas que ousara esperar pelo amanhã.
            Escrevia. Apagava. Escrevia. Apagava. Talvez a velha entende-se mais do que a si – do que de fato sentia-Se. Eram largas ruas com guias amarelas que nunca pôde observar. Tinha os olhos ofuscados por reflexos de devaneios de não se sabe bem ao certo se que se...
            Vai, sem ao certo saber pra onde. Levava consigo anseios, balburdias e cigarros emparelhados. Do papel reciclado – dos lápis de cor cinza todos esmagados. Pensou nas melhores literaturas já goela abaixo digerida. Poderia sentir o cheiro de carne podre. Sentia-se a si. Do vinho oxidado e dos controles espalhados pela casa.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sujeito Oculto

Estava ótimo ontem. Deveria ter morrido ontem.
"Não morreu. Estava vivo quando sentiu o hálito quente pela manhã."
Entre tantos os furores que se passavam por dentro de si. Afagou-se de tragédia. E dela ostentou-se até sentir-se ao avesso do que se passava, de fato. Sentia a ponta dos dedos, os carregava até os olhos. De fato. Ileso ao que se passava. "E vivo. Estava vivo."
"Olhava. Não reconhecia o cômodo à sua volta. Não reconhecia as roupas que usava. Nem mesmo o rosto no porta-retratos."
Eram fotografias fora de foco, como as do texto passado. Estavam todas borradas. Sujas do batom da historia da puta. Faltou-lhe o incenso. A fim de botar fogo na casa. Como talvez ostentasse Lispector.
Histórias remotas lhes passavam à cabeça. Do perfume que não ousara usar. Do outro que exageradamente lhe tapava as narinas.
Segurava as vertentes dos olhos vermelhos, fora de foco. As cores paralelas se perdiam entre si. Abismo em que criara para seu próprio refúgio.
Não sabia mais viver sem suas drogas. Elas gritavam dentro de si. O mundo girava. Toda mobília descomposta e os livros espalhados pelo chão. A citação perfeita fragmentada pela ânsia da produção.
Levantou-se e despiu-se frente ao espelho. Sentia frio. Flashes de inverno em meio à tanta neblina. 
"Seu corpo estava coberto de manchas.
Manchas roxas, amarelas. Não lembrava como, quando, por quem."
As manchas lhe davam náuseas de algo que sua mente não conseguia resgatar.
Sentia frio na espinha. Sentia cada vértebra que gritava por seus álibis. Era perfeita a forma de como entregava o corpo ao vento. Decompondo-se nas notas mais doces. Eram anseios da melhor nota conquista. Onde parábolas faziam girar no canto obstruído de qualquer luz.
Vomitava sob seu corpo de forma a lavar o que se sentia. 
A música passava por cada vértebra. Era silêncio entre meios aos gritos. Esperança era o que arrancava com os dedos. 
Mastigado por seus pensamentos acéfalos, perdidos dos fragmentos daquele silêncio obstruído. 
Estava ali, perdido. Singular. Caminhava cada um dentro da sua solidão latente. Não havia espaço para dor, ressentimento. De carnificina é de que se era composto.
"Mas a noite era larga e oca." Ou oca e larga. "Nem um sopro movia as persianas do quarto."
"Deitou-se no chão frio. Encarando o teto."
Ouviu gritos que saiam de si. Ultrapassava os olhos, juntou seus joelhos frente ao rosto na tentativa de fugir dessa bipolaridade. Fechou os olhos, no mais forte que pode. Apertou os punhos e sentiu dor física latente. O chão estava frio demais para aquelas vértebras, que estavam a caminho de pó. 
Sentia. Sentia. O corpo gritando seu silêncio. Sem espaço para fuga. O Desespero.
Aumentou os decibéis a fim de ocultar seus próprios gritos.
Girava seu rosto pra sentir o vento fantasioso balançar os fios interrompidos pelo crescimento. Sentia o amargo descendo garganta abaixo. No avesso, navegava aquele profundo sentido daquilo que se permite ser.

MARCHIOLI, Gabriel. RIBEIRO, Damaris. Sujeito Oculto, 2012.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Fora de foco

E de repente as coisas não saem conforme o esboço. O deslize está em acreditar que poderia ser diferente, ou na falência dos planos do outro que se distinguem dos seus.
Como reflexos distorcidos àquilo que enaltece. Furor daquilo que se prega, se opondo àquilo que se pode ou que deveria sentir, ou o oposto desses opostos.
Reflexão ou estado de paciência, onde cada um sente de forma distinta, de forma que quando o espelho rebate é sentido da mesma frequência. Hipócrita na forma de pensar, o que é hostil ao que se vive.
Já não sabe até onde pode ir com esse anseio que tem em mãos, onde os valores não são vistos de forma homogênea e o estado de espírito rebate àquilo que involuntariamente julga como o abismo dos detalhes.
Rejeição na junção dos órgãos, onde a incompatibilidade o faz pensar em saber lidar com o abismo que existe na separação de onde se começa e termina o outro. Devaneios de saber como lidar com o que existe do outro dentro de si.
Não é mais uma simples divergência de fatos. Opostos ao prisma que brilha demasiadamente e o faz cegar para os verdadeiros sentidos do que se vê, ou acredita, ou do que assente o outro. Os fatos permutam de maneira inexata e corriqueira onde relevar pode ser mais agressivo do que lidar com esse reflexo, de fato.
E pronto, um pequeno disparate seguido de outro faz arrancar dos olhos os anseios da cena seguinte. O sol se pondo no meio do dia e a qualidade da imagem em decadência.
O som incidindo aos olhos, numa ardência irreparável. Olhos que dizem mais daquilo que sentimos que as próprias palavras. Que em sua conjugação imperfeita é seguida de dores latentes. Nó na garganta e a falta de ar são o que o sufoca agora. Despeito, descaso ou ciúmes? Pouco importa, já não tem mais sol para corrigir as imperfeições e a noite o faz apagar a imagem que só pode ser sentida se vista por dentro. E de lá de dentro o corpo se virando no avesso pra digerir quão compassivo pode se tornar o outro.
Deparou-se com as pontas dos dedos brincando com um fio de cabelo que encontrou entre as teclas. Os dedos poderiam ser sentidos como se fizessem o papel inverso, onde eram as teclas que açoitavam os dedos.
Agora estava perdido entre as raízes vermelhas que envolviam sua íris. Estava sobreposto à camada de nostalgia que refletiam dos seus olhos alagados. Sentia clemência de si e dos sentimentos que por ali vagavam. Afeiçoou-se junto aos seus cabelos ainda úmidos num gesto de sustento. Equilíbrio. De encontro. 
Usurpou-se do que lhe ainda restava de oxigênio. Sentiu. Ponderou. As coisas permaneciam estáticas. O vento não fazia sacudir as roupas do varal. Sentia-se ilhado dentro do reflexo que ponderava no espelho.
Sentia-se só. Tendo que afadigar-se das duas confinas que os compunham naquela esfera de sentimentalidades. Calculou os sentidos. Tentativa abrupta de colocar as coisas em seu devido lugar. Acreditando hipoteticamente chegar a algum lugar. 
Projetou seus sentimentos a uma ponte estreita. Perigosa. Onde as bordas já gastas pelo tempo o fizessem sentir na pele os anseios da queda. Onde, com as próprias abjeções, fosse apenas devaneios em meio a tanta neblina. Onde o que o outro sentia fosse apenas detalhe de uma trajetória do que estava por vir.
Foi então que tomou partido de reaver suas pernas para que pudesse dar seus próprios passos. Percebeu quão difícil era a caminhada quando há tempos não o praticava. 
O Olhar interno de seu próprio abismo, na ideia de reconstruir os sonetos que perderam a fálica melodia por conta de tanta espera. Entre a espera, aquilo que se é o medo de fazer o seu próprio caminho quando se percebe que nem todos os passos em que se dá, se está acompanhado. Ou do egoísmo de pensar que o outro pode caminhar sem precisar do apoio de suas mãos.
Medo. Dor. Devaneios um tanto melancólicos, fazia parte da equidise inesperada. Eram olhos grandes. Escancarados. Frente às nuvens de poeira que resolveu por ali se instalar. Estava perdido. Ofuscado. Alheio ao que se podia sentir ou impropriamente àquilo que se sentia. Que poderia ser definido como o abismo do reflexo das hipóteses.
Estava cheio das teorias mais absurdas. Ousava-se ir além. Ao mais profundo que pudesse chegar. 
Amor na sua concepção era outra coisa. Ou, o conjunto delas. Não que duvidasse da forma de amar do outro. Por esses ares estava bem tranquilo. O que buscava era o equilíbrio do que deveria sentir com os atos do outro. Ou ser capaz de entender até onde se é importante pro outro e colocar-se em seu devido buraco. Ou finalmente fingir acreditar que uma vez que os ideais não estão sempre emparelhados, haverá divergências. A tentativa agora era de busca-lo. Ou mesmo ir de encontro ao real absurdo da proposta da vida e das relações humanas.
O medo agora estava instalado na insegurança que acreditava haver no outro. Ou no desatino com que se era acolhido. Sua forma sensível de ser, era a tentativa exata dos devaneios que criava pra si. 
Não que ousasse ser além do que se é para o outro, isso se trata de valores ao que se dá. Não é nada disso. Buscava essência. Nem sempre o outro se deixava cavoucar com tanta veemência. Estava ali, precisando ser, mas havia o nó na garganta. Então “farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo por causa das pessoas. Às vezes o amor que se dá pesa quase como uma responsabilidade na pessoa que o recebe. Eu tenho essa tendência geral para exagerar, e resolvi tentar não exigir dos outros senão o mínimo. É uma forma de paz”. Do que viveria se não de amor. O alimento da alma. Da vida. (Aquela coisa da necessidade de dormir agarrado numa peça intima de roupa respirando o outro, a fim de suprir a ausência). Como que em sua própria essência. E por falar em essência, até onde o outro é capaz de te fazer mudar de humor por relapso? Ou até onde você é capaz de lidar o que se está sentindo a fim de inocentar o outro e fingir estar tudo bem? Essa é a maior e mais comum forma de fuga. De repente a válvula de escape mais ridícula que encontramos pra fugir daquilo que sentimos. A brecha do que resta entre o amor que se dá e do que se constrói por meio de um sentimento. Sentir e amar vai bem mais além do que isso. Amar é de repente, olhar com os olhos do outro, pra entender onde é que dói. Como dói e o que, de fato, se sente. Navegar pelo oceano das vivências do outro, para o entender em seu estado atual. Respeitar ou acreditar que ele não pode oferecer aquilo que não possui. E que, finalmente amar pode ser a construção das bases de sustento de uma relação. 
Mesmo nos processos de equidise mais profundos, não se pode e não se pôde amar só. Era demasiado grande o que sentia para carregar sozinho. Precisava do outro pra conseguir lidar com o peso de caminhar nas trilhas ainda brutas. Era demasiado covarde para fazê-lo só. E de solidão não se vive. De amor se vive. Foi então que depositou todas as seus sonhos no outro. Abriu seu coração e ousou com toda veracidade que jamais ousara declamar o amor que sentia.

domingo, 25 de março de 2012

Inércia

Eles não ousaram se abraçar pela manhã de domingo. Acreditou que as coisas estavam perdidas. Aquela coisa de o céu ser o limite era densa demais pra ele. Estava repleto de si e não se sentia só.
Pousou varias vezes as mãos sobre a face caída. Buscou interpretações diversas para aquele sentimento hediondo.
Mata-se a cada palavra jogada fora. A sintonia das cordas vocais de outrora o tocavam mais intensamente naquela manhã.
Estava estagnado de um sentimento maior do qual não faria o menor sentido.
Sentindo. Ousou dessa vez tentar não pensar naquilo que o afligia.
Em vão. Sentia demasiadamente cada passo. O calçado o fazia apertar os pés. Não era a saudade que o reprimia. Se tratava de outros fatos. Fatos escusos. Menos ponderantes. Mais distintos que das outras vezes. Tratava-se de orgulho ferido. Da inversão de valores. Seguia contrario àquilo que acreditava como verdade absoluta. Eram apenas desatinos de uma liberdade que fingia ter. Era amor, de fato.
Travestiu-se de preto, como se algo o protegesse do outro. Ou das cores inventadas daquela pintura escondida no armário empoeirado. Não entendia na maioria das vezes como é que as ações poderiam se agravar. Deixando de lado aquilo que pensava, pra se deixar levar com o vento...
Era confuso demais pra ser exato. Poderia contar as pintas da face do outro. Mas não suportaria, se os fatos não assim condissessem e aquilo fizesse por habito. Não mais suportaria ver sua obra sendo retocada por outros, mesmo que aquilo significasse memória coletiva. Era demasiado egoista por sentir-se livre.
Sabia de fato o que estava sentindo. As cores sobrepostas à tela estavam quase secas de tanta mistura. Tanta iniqüidade sem sustento. Balburdia que fora tocado em silêncio. Não mais suportaria a ideia de não viver aquela rotina imposta no começo daquilo que eles chamavam de amor.
Vivia de amor em seu inferno particular. Cada segundo imposto era como se a pele vestida enferrujasse. Suas mãos suadas, a do outro, calada.
Era silêncio demais entre os gritos de dor daquela troca de pele. Sentia com força aquela transposição de fatos. Sentia-se medíocre por não interpretar-se de forma contundente a ser livre.
O que era antes liberdade. Agora sua prisão.
Não mais poderia indagar a lua pela janela do quarto. A via distante de si, e se sentia dessa vez, questionado por ela sobre sua outra metade.
Lembrou-se do final da noite quando a tinta preta apagou metade do que era luz. Brilhava tanto de forma a reluzir todo aquele sangue que sobrepunha aquela coisa inanimada que o fazia estremecer. Era complexo demais entender a si pra aceitar o outro.
Sem delongas, adormeceu-se daquilo que acreditava ser o sonho.
Viver de realidade o fazia sangrar mais. Foi a forma mais lucida que encontrou pra sentir-se vivo.
Aos pedaços, recolheu-se junto ao espelho, tentando ignorar as deformidades que o acaso lhe fizera. Colou-se dessa vez no papel do monstro e tentou se desmistificar, acreditando piamente que aquela poderia ser uma saída.
Escorria por sua face toda a dor sentida. Não teria jamais o equilíbrio pra dizer ao outro quais os melhores caminhos. Prezava sua prisão interna, o que em outros dias chamaria de liberdade.
Não. De fato ficaria emudecido por mais algumas horas, ou dias, se fosse necessário. Tentar com que suas ações condissessem piamente com suas palavras e não deixar que sua forma amar não virasse utopia.
Brigou varias vezes com a imagem do espelho naquele momento em que perdeu a noção do tempo.
A coisa dessa vez vinha de fora pra dentro. Sentia mais dor que às equidises passadas. Mas não sabia de fato, até onde poderia ir, e se, de fato poderia ir a algum lugar.
Havia se encontrado demais olhando para os dois pontos brilhantes sobrepondo a lua. Como se o universo todo gritasse pra ela a solidão e que, se apagar fazia parte do processo.
Era domingo, como todos os outros. Domingo quente, sem aquele cheiro bom da terra. Fazia calor demais pra ventar e como havia perdido a voz outrora, julgou inútil tentar e deixou-se levar ao acaso.
Sabia onde pisava e isso o assustava um pouco. Era como se agora em que sabe quais os passos deve tomar, o caminho exato fosse perde-se nas cores que a paisagem deveria compor. Começar-se-ia a viver a partir do por-do-sol. Se o sol de fato lhe fizesse o sentido esperado. Ou se deixaria se levar com a brisa da noite.
Suava frio tentando fazer com que o sol nascesse depressa. Cantava baixinho. Depois se ostentava dos gritos que saiam do âmago. Que de fato tinha duvidas a respeito de onde vinha. Eram muros de concreto defronte as grades cinza de sua memória amarelada pelo tempo.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Carnaval

Estava ele ali. Sentado. Carregava consigo o peso da mochila e as marcas de um longo dia de caminhada. Junto às linhas de expressão, a insegurança e a vontade de seguir.
A tinha na cadeira ao lado, e os pés fincados intensamente na areia mole e fina da praia. O que lhe fisgava a atenção era a forma de como punha os cabelos pra trás.
Sem o controle das horas, o sol estampava a paisagem configurada entre o céu e o mar. Estampado no rosto daqueles em que, perdidas na nostalgia em saber o real motivo de ali estarem. O verdadeiro retalho dos porquês, estampados na intensa duvida de que lado da pedra se fixar. Como se, de forma abrupta, procurassem algum sustento para aquele vazio que se instalava no ar.
Mar bravo. Ondas no quebra-mar. Por detrás daquelas imensas pedras, a vontade do mar de se deixar invadir.
Com os olhos absortos, desconexos avistou a mochila sobre a cadeira velha de cor amarelada. Como nos contos em que se da à cor necessária para o cenário que a rotina ousava compor.  
Em segundo plano, aqueles olhos tímidos, fugitivos. Inclinavam-se pouco mais à direita.
Insistiu num terceiro olhar a tentar entrar um pouco naquele sorriso, ainda mais tímido que os olhos. Sim. Eram olhos tímidos, que sorriam numa intensidade única. Como se nada mais se passasse à volta.
A vontade era de escrevê-lo todo. Faltava-lhe o fôlego.
Pegou então seus olhos dentro da mala desbotava sobre a mesa. Entregou-se à uma nova historia (dentro daquela em que estava vivendo). Não haveria diferenças. Mas, o que encontrou como equilíbrio foi uma maneira de tentar ser o maximo que pudesse.
Durante dois dos capítulos mais densos, o acompanhava com discretos olhares. Dessa vez algo o fez sorrir. Riso solto. Liberto. Algo novo que estava por nascer. Diferente do instante anterior, onde seus olhos buscavam os olhos do outro com certo tom de curiosidade. Seguido da vontade de deixar os lábios se invadirem. Vontade de tocar a palma das mãos no rosto do outro.
Sentiu areia quente entre os dedos. Perderam-se nas palavras e resolveram entregar-se ao sol. Ou talvez um começo onde eles pudessem inventar juntos, as cores do que viriam a partir dali.
Seguiram-se por instantes dos mais coloridos devaneios. Ambos aflitos em tocar nos olhos.
Tocaram-se.
Sabiam de alguma forma. Ou não sabiam absolutamente de nada. Chamariam aquilo do que ousassem acreditar. Algo que, de repente, tivesse mais sentido se não ousassem interpretações. Ou se apenas vivessem.
O lado colorido ofuscava toda a paisagem, como num cenário estagnado. Sentiu torpor. Como se todo o resto perdesse a cor. Na paisagem preto-e-branco eles poderiam se amar.
Afundou a planta dos pés nos lábios da terra. Areia quente entre os dedos.
Estenderam-se do lado de lá algumas vezes naquele mesmo instante.
Ousaram-se.
Sacudiu o pano esverdeado e o convidou pra ser livre com ele. Sorriram-se ininterruptamente através dos olhos. Embarcaram-se, um pelo outro.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Dois pontos


“Nem todo abraço é à vista, todo mundo é artista
 Nem um ponto de vista vai ser ponto final”

Era quente, ainda que o verão estivesse prestes a terminar, pelo menos em sua mente, que buscava um equilíbrio entre sentir e estar.
As portas estavam fechadas, embora sem trincos. Podia ouvir os passos no assoalho inexistente. O que lhe consolava era um velho e barulhento ventilador, que amenizava o calor, mas tomava-lhe toda a paz conquista. Além do barulho. O vento. O pouco do vento que ousara circular naquele ambiente estagnado. O mesmo que tirava as beiradas do tapete de trapos do lugar.
Olhou atônito pela fresta da cortina de cor amarela. Não é como das outras janelas que pudera se equilibrar com os resquícios da lua. Sentia se preso. Embora totalmente alheio à proteção.
Desprovido das chaves que de certa forma o prendiam a sensação de estar aberto ao que quer que seja. Indevidamente.
As lembranças eram reais, de tal forma que não podia mais separar do imaginário àquilo que lhe discorria a caneta sob a folha rasgada.
Estava entre o composto da mobília branca e a estante de livro, ainda inexistente.
Fingia acreditar nas pessoas apesar de suas doenças, as quais não lhe faziam o menor sentido. Já terminara de forjar o cenário ideal, faltava-lhe ainda pouco mais da inocência perdida. Mergulhou-se em si, inquieto. Desprovido do que quer fosse, estagnou aquilo que os outros chamariam de sentimentos. Enquanto ele preferia acreditar na pele vívida que lhe cabia. Embora ainda avermelhada pelas diversas incompatibilidades. Dessa vez não se encontrava nu. Reminiscências de mais um dia cumprido. Como se ousasse entrar no seu estado de inércia pra tentar viver àquilo que lhe fora proposto. Descabido de qualquer ressentimento, abriu os olhos, vermelhos das lamurias que indagava a pouco, restava-lhe o próximo contexto. Ou a espera.
Tentava ser além daquilo que lhe fora proposto, o composto das frases que acreditar por fazer qualquer sentido. Precisava seguir adiante, mesmo que pra isso fosse necessário cessar na idéia os ideais daquela estante empoeirada de livros que ainda não ousou.
Era cedo demais para tamanha demagogia e outras tantas coisas mais que lhe passava na cabeça ao mesmo instante.
As luzes coloridas piscavam de forma a solucionar o puzzle e nada mais precisaria ser dito. Estava repleto de si. Embora a serenidade lhe fosse roubada pelo cotidiano.
Falta-lhe tanto. Tantos. Tantas. Faltava-lhe o poder. A mudança.
De fronte aos seus monstros, forjava serenidade. As coisas encaminhar-se-iam para qualquer lado. E de todas as formas o amargo estaria. Estaria ali por sentir. Ou. Esperando o grito da largada.
Estava entre a chegada e a partida. Lembrava-se das poesias de domingo. Do violão desafinado. E daquela voz que o sustentava. Lembrava-se dos momentos em que além de sentir sabia que aquilo é que era felicidade. Nunca ousou de outra forma. Os pontos estavam no devido lugar. Embora.
Lembrava-se das promessas que nunca precisaram ser ditas. Eram concretas e por ali estavam. Era vivo. Sentia. A música fazia o maior sentido enquanto contornava as vivências com sorriso estampado nos lábios.
Descrevia o que o outro sentia de forma a viver aquilo que dizia. Foi o mais real de suas alusões. Era o perfeito destemido naquele corpo. Como se as pressões, suas frustrações fossem apenas erros da natureza. As frustrações ocupariam espaços entre as desculpas pra fugir do vazio que sentia ao pensar na ausência daquele sorriso. No tudo que ficara pra trás.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Caricias


“Ainda é cedo, amor [...].”
  
Eram misturas daquilo que ficara pregado na pele e com o novo que fora sentido. Eram de fato. Novos sonhos sendo criados na intensidade em que eles se beijavam.
Não se sabe ao certo quanto tempo de fato é que não se viram.
Encontraram-se ali. Dessa vez, com as cicatrizes velhas repostas e aspiração de seguir, de forma distinta. Preservada. Numa intensidade sem interrupções.
Não encontraram barreiras. Tampouco as criaram. Seguiram. Como quem pisa no mar pela primeira vez. Aquele frio na barriga de um primeiro dos muitos encontros que estiveram por vir. E que de fato. Criaram aquela sensação de que o mundo pararia no exato instante em que os lábios discorressem numa mesma tonalidade.
Era noite quente. De verão. Como todos os bons romances daquela época.
Sentiram-se renovados. Como se dançassem ao som daquela musica há tempos e soubessem sincronizadamente onde e quando se deixar evadir e firmar os pés no chão.
De fato era um novo homem. Os mesmos olhos. Talvez pouco mais profundos que da ultima vez. Carregando consigo todo o sinal de vivência. Carregando consigo o outro. Que de fato o carregara também durante todos aqueles anos que ensaiaram o encontro perfeito que nunca era tempo de ser. Haveria o momento certo, exato para as coisas ocorrerem de fato e assim findou.
Torceu seus braços pra contornar e apertar mais o cinto já gasto pelo tempo. Dessa vez não reparou na distancia. E como de costume aumentou o volume no som exato pra que nada atrapalhasse aquele percurso. Não havia tempo de espera, nem delongas. Era aquele friozinho na barriga presente. Nada daquilo o incomodaria. Seguiria sendo, não importava quão grande e distinto seria o próximo passo.  
Caia a chuva espaçada no pára-brisa. Trocou a marcha até escutar o barulho do motor. A música calava tudo o que havia do lado de fora. Ficara só. Exatamente só com o lado bom do que queria naquele exato instante. Afinal vivia sonhos sem intenções exatas. De uma forma onde o outro se sentiria afinal, livre, pra ser aquilo que se ousa ser quando se é feliz.
Já sabiam onde as mãos deveriam se apossar, mesmo sendo o primeiro contato físico. Apertou-o contra o peito.
Indagaram-se. Numa espera a entender-se do outro tudo o que se passara até então. Estavam ali. E tudo acontecia de forma natural e suave. A forma como se olhavam e o brilho nos olhos deixavam aqueles sorrisos indiscutivelmente presente entre eles.
Pediu um café. Teria pedido outro se não fossem tantos os olhares encorpes.
Saíram dali. Entreolharam-se perdidamente. Como quem buscasse um horizonte onde fixar as vontades que o traziam até ali. Falaram-se ininterruptamente. Entendiam-se por vezes nos olhares. Embora as palavras, havia coisas das quais, se foram apenas sentidas.
Contornaram ruas entre as diversas praças que havia.
Estavam ali, parados, pouco abaixo duma arvore qualquer, mas isso não trazia a menor importância.
Fora dessa vez, tocado no âmago. De uma forma cautelosa, simples e doce.
Os dedos entrelaçaram-se entre os fios de cabelos ainda úmidos, nenhuma palavra foi dita. Sentiu-se ali. Afagado.
Entreolharam-se. Como nos outros diversos instantes em que não se ousaram. Aproximaram os lábios. As mãos sobrepostas ao pescoço. Fora tocado.
Sentiu tanto que fora capaz de estar ali absolutamente. Estava repleto de si e do outro. Da essência que lhe fora trocada. Dos lábios acetinados e doces que invadiam de forma sutil o interior daquilo que não fora buscado, mas se pode sentir.
A forma como eles apoderam-se um do outro fora estendida pela acalmada pela brisa breve. Pegaram-se entre os braços pra sentir. Eles se, pela primeira vez.
Acelerou o carro. Dessa vez não aumentou o volume do som. Pouco importava o resto. Queria estar ali. Inteiramente. A realidade da busca fora sentida no instante exato em que se apoderava do outro e se deixara levar.
Passaram por outras praças que viriam a fazer sentido numa outra historia qualquer. Mas ali, dentro do que estavam por viver nada mais importava.
Era como se o outro fosse ele mesmo e não precisasse de nada que o fizesse impressionar. Gostava demasiadamente do equilíbrio que tinha na companhia e por um gesto breve ousou sentir.
O barulho do motor fora interrompido, juntamente as luzes que se baixaram na medida exata do que precisavam e do que estavam por repartir. Eram ali, dois corpos numa magnitude em que se percebe. Tentando se ousar invadir na essência do outro.
Sentiu o primeiro toque nos lábios, enquanto o seu corpo era coberto de torpor. As mãos escorregavam na medida exata do que precisava ser sentido e os corpos estavam ali apenas como intermédio. Para que eles pudessem viver.
Invadiram-se de forma a entender-se um ao outro. Estavam atenuados pelos pingos da chuva do lado de fora que nem se afoitaram pra qualquer acepção que fosse. Eram ali. E todo o resto não importava. Eram como se ali, difundissem todos os devaneios em que sonharam outrora juntos. E que confinantes seriam de tal modo. Um ao outro o que ousaram a si.      

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Desculpas

"Sempre as mesmas desculpas
E desculpas nem sempre são sinceras
Quase nunca são
Preparei a minha tela
Com pedaços de lençóis que não chegamos a sujar [...]."



Do que viveram e daquilo que se escorre entre os dedos.
Não. Não era falta de entendimento. Fazia falta mesmo quando era presente. Era de fato mais falta do que presença.
Era talvez inconstante na forma de amar. Haveria amor se assim ousasse ser.
Fizeram planos sem razões exatas pra ser. Tentativa fugaz de autoconstrução. Como aqueles em que juntos dão o primeiro passo. Ou pelo menos deveria ser assim.
As incertezas tornaram-se constantes presentes. Foi quando ele se perdeu. Fizeram-se, portanto juras inevitáveis no vazio daquilo que acreditava ou acreditavam ser. Entre as, acreditaram além daquilo que puderam ousar.
Nada resta além do que é fato, tudo de fato vira hipótese. Mas e o que foi de fato compartilhado? Qual era a parte em que combinaram de se esquecer? E o que na verdade se esquece?
[...].
Ele abria os olhos depois de sonhar. Caberia talvez toda a forma de amar dentro da insegurança do outro. Carregava em si o preço de ser exato.
O outro sonhava mais com o presente. Acreditava piamente nos segundos de inexatidão que julgava por ser eterno. Sonhava com o presente, que é o que se tinha nas mãos. Além da exatidão da espera.
Era. Seriam talvez. Constantes. Se assim fosse. E se assim fossem. Abraçaram-se acreditando num amanhã pouco menos denso e bem mais próximo.
[...].
Entrelaçaram-se entre as pernas como um suspiro aliviado. Como se ali, firmassem de fato. Algo de concreto.
[...].
Ventou. Abriu os olhos no momento errado. Havia demasiada luz envolta. O sol era constante em sua pele. Afagou-se por inteiro. As marcas eram nada perto da intensidade do que sentira naquele momento. Como quem está à beira da morte sentiu. Desesperadamente o filme que se passa na cabeça. Lembrou dos olhares. Dos desconcertos. Aquela primeira piscada. Até mesmo quando que, num gesto de confiança se afagou nos braços do outro com medo.
Se lembrou da tonalidade dos seus olhos enquanto a lua banhava sua face. Seus olhos redondos, caramelizados. Doces. De uma fundura inexplicável. Caberia ali o mundo todo. Mas não poderia ir além. Havia ali o medo. Muito medo do próximo passo.
Como quem precisa se encontrar. Deixou dessa vez que o sol o cegasse. E pela ultima vez sorriu por eles. Pelo que viveram. Pelo eterno de busca que fora interrompido. Despiu-se de si. E sem a casca paralisou.
O sol queimava forte em suas costas. Ele nada entendia. O que seria amor. De fato?
Não havia espaço pra raiva. Tristeza. Destreza. Solidão. Estava fechado. Nada mais por ali passava. Estava estático daquilo que o afligia.
Era tempo de partida. Era tempo de seguir adiante. Mesmo se as justificativas não condissessem com tudo o que fora sentido. Mesmo que não houvesse justificativas para um fim. Ou para o que quer que seja. O que quer que fosse.
Ele não se entregou ao mar. Como aquela vez que sentiu através dos lábios do outro o salgado daquelas águas gélidas. Não havia falésias. Nem ondas quebrando a borda congelada daquele eterno. Ficou ali. Como quem se estira na linha do trem esperando. Algo que não sabe da onde. Os trilhos eram de uma voracidade imensa. Embora enferrujados. Por ali não se passava nada. E por nada se foi.
Sentia areia entre os dedos. Indagava a si próprio as questões do outro. Como se houvesse conserto. Buscava na areia quente um pouco de si. Cravava os dedos entre as conchas úmidas tentando buscar no âmago o amparo pelo qual fora desprovido.
Pouco restara. Como todas as outras vezes. Ficara sempre com o pouco de bom que havia em si. A parte boa é a que compartia com o outro. Os fatos. De fato.
Deveriam existir. As razões só não foram ditas. Talvez por medo. Vergonha. Ou sei lá o que. De fato. O que ficaram foram as meias palavras. A metade do percurso.
Derrubou as lagrimas que pôde. E não pôde. Fingiu que aquilo fazia parte de si. Mas não haveria espaço para a dor. Fora pego tão de surpresa que de fato nem as lagrimas pode ousar.
Temperou seus anseios com a brutalidade e o egoísmo do outro. Sentira-se um animal expulso entre meio há tantos outros. Não do que fora dito. Não do que fora ou deveria estar sentindo. Mas da forma ridícula. Idiota. De fato. De como as coisas ocorreram. Sentiu-se estúpido por não revidar. Mas não haveria espaço para mais.
Encontrou-se com seu próprio equilíbrio. E por ali ficou horas a finco tentando outra vez buscar respostas às inquietações do outro.
Sentiu-se livre e ousou voar.
Fingiu que aquilo fazia parte do que tinha ali de fato pra sentir. E como quem não espera trocas, temperou os anseios com a mortalidade do que foi bom de fato e do que restava “pra sempre”, dentro de si.
Estava sorrindo. Quando fora interrompido pelo trinco da porta. Precisava de silêncio. O barulho estagnava os pensamentos que lhe ocupavam mais do que deviam de si. Precisava fugir com aquilo e por ali. Sem nem pensar duas vezes saiu por outra porta. Diferente daquela que entrava. Mesmo que no ambiente houvesse apenas uma. Criou a sua e partiu. Em busca de silenciar o que lhe afligia.
Debruçou-se no assoalho avermelhado, riscou mais forte as letras no papel reciclado e decidiu que ali colocaria mais um ponto. Acreditou naquilo que se pode tocar. Não passara ninguém ali. Tinha o exato silêncio que precisara. Embora o mar agitado batesse na janela ao lado. Nada viu. Nada sentiu. Concentrou-se em si e ali ficou por segundos eternos até encontrar a saída. Um novo parágrafo pra sua vida. Que agora seguia sem o outro.
Era instável demais pra ser. E não da pra sermos se somos sós. Era de certa forma, tudo aquilo que esperava de outro. O ciclo natural. A cadeia alimentar vingou-se da plenitude que sentira e fez ventar em seu castelo de areia. Sentia escorrer pelos dedos e nada pôde fazer. Doía. Latejava. Não havia posição exata que o tirasse aquela letargia.
Precisava sentir-se livre para ventar. E por ali ficou até que os pensamentos vagassem para outros ares e pudesse se sentir mais leve.
Jogou água fria nos olhos que ardiam. De nada adiantou. Fechou os olhos e entendeu que se nada pôde fazer é porque não havia nada que pudesse ser feito. Ou que pudesse ser dito para mudar os fatos.
E de fato. Ou por falta. Ou mesmo por amor. Fugiu do outro. Fugiu de si. Por instantes. Fugiu de tudo. Ou finalmente se encontrou.   

sábado, 7 de janeiro de 2012

Etanol


Encostou os braços entre as pernas. Procurava entre as sombras um espaço para se resguardar. Tentava de uma maneira ou de outra fugir-se.
Olhou diretamente nos olhos. Os seus. Vivos. Distantes. Indagou. Sentiu. Tornou a fechá-los.
Era musica o que lhe afagara há instantes. O presente lhe consumia a espinha e a dor dessa vez, acreditava ser nos ossos.
Sustentava-se na tentativa de qualquer equilíbrio. Erguia os braços, como quem pudesse voar. Tomou pouco mais daquilo que lhe acalmava a mente. Válvula de escape das emoções que ele já não sabia mais porque sentia.
Tirou o pó da mala verde, aquela que em momentos atrás o fizeram mudar de vida. Eram tantos os processos de equidise que já não lhe cabia mais nos dedos.
Usava dos sentidos para se entender. Sentira-se novamente de partida. Sentira a partida. E aquilo lhe abalara completamente. Eram emoções como de quem vai e volta em instante a diversos lugares sem estar de fato, inteiramente, em nenhum deles.
Buscava entre as cores distorcidas do outro dia, entender o pra que das coisas e se sentia só.
Buscara a solidão a todo o momento tentando ou acreditando ser. Sem interrupções saberia o instante exato de parar. Já não mais precisaria ser exato a ponto de acreditar em suas próprias ponderações. As coisas fariam por vez sua própria ordem, sem mentiras, nem fatos. Acreditaria no que quer que fosse para sair dali.
Era tantos ao mesmo tempo em que já não mais sabia quem ser a cada instante. Indagava-se constantemente. Buscava ser daquilo que pudesse ousar ser o mais próximo do que acreditava. Nada será como antes. Cada passo dado ele não mais poderia voltar atrás.
Suportaria quantas perdas mais? Quantas mais personagens suportaria ele ser? Estava no avesso, desconexo a tudo o que planejara ser. Viu mais uma vez que não dava pra ser completo.
Sentia o liquido frio saciar-lhe o calor. Calou-se na espinha. Por dentro fervia. Como se sentisse o sangue coagulado tentar escapar pela boca. Sangrava. Arrumou a gola da camisa. Examinou detalhadamente todas as partes do seu corpo, tentava encontrar algo que nem ele mais sabia o que. Esperava.
Numa mistura de medo e desapontamento resolveu sair daquela letargia e deixou a água escorrer-lhe a face. Os pingos disformes lhe molhavam os lábios ainda secos. Deixou-se invadir por completo. Ou acreditou naquilo que estava (ou tentava) de fato fazer.
Lavou suas mãos, como quem comete um delito e tenta apagar a prova do crime. Tornou a fazer. Parava, entretanto, para respirar. Aliviadamente.
Perdera a noção de quanto tempo estava ali. Fora interrompido como todas as outras vezes que tentou ser. Eram berros que não se interrompiam. De repente uma chamada para o mundo real. Daquele onde as pessoas fingem não sentir. Ou sorriem, mesmo sem ter dentes.
Estava ele ali, mais uma vez, desamparado de si mesmo. Tentando colocar as idéias em ordem. Os sapatos estavam embalados devidamente. Cada um em seu devido saco. Como todas as outras tantas coisas. Tudo como planejado. Mas e o que sentia. Como poderia ele definir aquele abraço que não fora dado no instante em que realmente precisara. Ou dos outros tantos abraços desajeitados e desnecessários que fingiam lhe afagar, mas que o sufocavam.
Sufocado, ele tentava soltar o ar entre as narinas. Algo o prendia. Disforme. Ele tinha medo. Eram olhos para todos os lados. Ele não os via. Ele os sentia. E sentir fazia lhe tremer todo corpo. Foram varias as interrupções forjadas. Ele estava ali, fugindo de si pra fingir ser.
Não estava completo. Driblava ou fingia estar, o sono, já não sabia se encarava como cura. Ou só estava, como todas às vezes, fugindo do que lhe fora imposto.
A musica tomava uma sintonia diferente daquela que ele sentia. Era disforme e aquilo fazia com que ele se sentisse menos preso. Mas dessa vez, em nenhuma circunstância, ousou voar.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Pérolas


Estava ali. Parado. Nada viu. Ninguém se virou pra ver. Seguiu-se. Sendo.
Sentiu-se. Parou. Olhou. Estagnou os olhos. Refletiu por instantes o exato em que se aproximara. Pensou. Por instantes. Pensou. Entendeu coisas que não buscou. Outras. Por ali também estiveram. Sentiu. Sentiu. Segui sendo.
Aproximou-se do espelho como quem se aproxima do perfume da rosa. Delicada. Robusta. Cheia daquilo que lhe poderia ser proteção.
Apertou firmemente os lábios e sentiu ausência. Aquelas mãos estavam longe dali.
Afagou seus cabelos com as pontas dos dedos. Parou. Pesou firmemente aquilo que buscara ha instantes. O cheiro fora sentido.
Pensou. Dessa vez nos lábios cítricos. Exatos. Descompensados. Indagou que poderia ser um sonho dentro de outro. Interpelou-se de compaixão. Arrumou a gola da camisa. O pode ver. Dormindo com os lábios superiores calados. Abertos.
Suspirou. Palidamente sentiu. Parou. Sentiu.
Já perdera a noção daquilo que chamara de ausência. Ofuscou a visão na tentativa do sono. E forçou-se.
Já não se perguntaria mais por quês. Seria se. E se se. Seria. Foi. Andou. Deixou as tantas coisas rodarem pra chegar onde estava. Sentiu-se. Avesso ao que buscara. De fora pra dentro gritou. De dentro respondeu que voltaria a si. Ou ao menos fingiria ser.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Tadieu Bône


. Eram sonhos na possibilidade remota de ser. 
Ela acordara durante a única noite que ousara dormir. Tentativa ilusória de tentar ser.
Mudava as paredes dos quadros. Repintava-os no espelho.
A memória que gritava ausência o fazia seguir. E por instantes seguiu sendo. Aquilo que (mesmo por instantes) precisava ser. Eram claras. As objeções. Todas elas eram.
Fechou os olhos par de vezes tentando invadir o que estava de errado naquele espaço. Foi feliz e gritou ambas vezes no mesmo instante.
Floreou toda a casa. Toda casca. Colorida buscava não se sabe o que pra entender que o espaço não era aquele. Sentia. Ou tentava. Buscava na ausência o ponto de apoio exato. Ainda acreditando em tudo aquilo. Tudo existia. Eram prospectos da sua mente perturbada. Ela via coisas erradas distintas e se calava a cada uma delas. Era prisioneira das suas próprias responsabilidades e estava cansada de ventar a cada manhã. 
Buscava aos berros o silêncio, que rebatiam de forma aguda aquele sentimento perdido. Poucos. Mas ensurdecedores. Indaga veementes os olhos. Os via estranhamente distantes. Fechava-os com agressividade. Os pontos estavam perdidos. E. Ela roucamente imprimia essa vida que não era sua. 
Via. Contorcia vozes intermináveis que a mandavam fugir. Fingia.  A voz. As vozes. Todas elas. No sonho passado era sangue. No de hoje. Até de olhos abertos via sangue. De um vermelho podre. Segurava disformes os restos mortais daquilo que ainda eram ossos. Fedia.
Saudade era isso. Dor e volúpia. Palavras e línguas das quais não se entendia. Absolutamente. Nada. A espera.
A voz dizia pra fugir. A insegurança. A falta de acreditar do outro se entendia como principal causa em seu corpo. Sangrava.
Reinventava as cores que saiam do seu corpo, transformando em novas cores. Rodava em círculos expulsando e exploração que rondava seu corpo. Gritava a algum deus para buscar gloria. Rodavam sem sentidos. Todas conectadas. Cores vivas. Cores sadias. Fortes. Conformes. Umas rondavam as outras. A terra. O ar. A água. Tudo aquilo que fazia parte daquilo que sentia.
Pulou a linha de onde saberia sobre ele. Ela se perderia naquela dança extasiada. Ele se jogou. Extasiado. Sem uma gota do que qualquer que fosse. Só a musica o invadia. Pintava o que sentia. Sentia.
Exasperado. Cansado. Misturou-se num banco qualquer. Do nada. Buscando dessa vez o vazio pra dentro. Eloquentemente diferentes de todas as outras tentativas. Foi feliz ao sentir por instantes a luz do sol em seu corpo. Depois. Depois.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O eu do outro.


Eram redondos e profundos os olhos. Quase que inabitados. Eram ausentes.
Sentiu calafrio esperando ventar.
Os dedos dele percorriam face às minhas ancas. Eram dedos libidinosos que se escorregavam nuca abaixo. Perdidos.
Os dedos do outro percorriam sua face, tentando entender até onde aqueles traços apaixonantes o levariam. Sentiu medo. Tremia. E nada aconteceu.
Os dedos. Ele. D’Eles.
Preferiu a fuga. Nunca admitiria ausência.
Cansado, indagaria tristeza. Colocaria culpa no clima quente que lhe afagava a pele.
Eram todos diálogos desconexos numa espera mutua que jamais os levaria a algum lugar.
Ele achava que o outro sentia demais. De fato sentia. Sentira. Vai sentir. Eram ausências e presenças misturadas no mesmo diagrama. O toque de forma inesperada. Num gesto onde não se sabe onde vai chegar.
O outro é realista nas palavras. Mas as mesmas se perdem ao expressar daquilo que sente.
Sentia algo como medo e insegurança. Mas deixava de sentir quando mais precisava.
Juntou os cacos espalhados pelos cantos esquecidos. Juntou todos. Espalhou em outro novo canto qualquer. Canto esse, que logo seria a base para um novo esquecimento. Sentiu. Sentiu. As lagrimas ardiam-no os olhos. Mas não caíram.
O sono repartido tentava cegá-lo. Era inutilmente vasto. Mergulharia dentro de si para encontrá-lo quantas vezes fosse preciso. Algo dele ainda haveria de estar por lá.
Levantou. Ergueu-se daquilo que ousara chamar de raiva. Numa tentativa frustrada de fingir que não haveria amor. Mas tinha. De amor. Viveu. E de amor. Vive. Por amor. Sentiu. Pela busca. Tentou ser. Tentando ser. Invadiu. Invadindo. Perdeu-se.
Meio como quem tromba nas próprias pernas. Travestiu-se de coragem e foi enfrentar-se junto ao espelho. Gritaram-se. O eu de dentro e a casca. Não se entendiam. Definitivamente. O eu de dentro era emoção demais. A casca despida de afeto feriu. Aquilo que o outro chamaria de amor.
Eram palavras. Construções. As cenas estavam todas preparadas. Embora o protagonista. Embora.
Enxugou o que o outro chamaria de lagrima com as mãos que o ousara tocar. Desmediu-se entre o lençol desbotado e tentou ser.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Razões


Mãos ásperas. Precisas. Como se tocassem a si próprio. Dentro do eu do outro. 
O corpo reagindo contrario ao toque das mãos que permaneciam coladas no pescoço. Contorcia-se todo. Como se não houvesse mais espaços inabitados. Precisas, contornariam aquelas curvas sutis, redesenhando-a toda, de uma forma grave e desalinhada.
Olhos que se abraçavam ininterruptamente. Inevitável. Sorriram. Gritaram. Trocaram-se intensamente.
Eram olhos redondos e ardentes. Fugaz, como quem deseja. Mas incompreensível como quem vive.
Eram pedaços inteiros cortados e colados na medida certa daquilo que precisava. O brilho deles. Esse eu jamais hei de esquecer.
Pela segunda vez encontrei o primeiro olhar, como quem estava perdido em seus próprios atos. Durou o instante que tinha pra durar e ventou.
Encontrei seus lábios cítricos poucos segundos depois. Misturados de essência e medo. Eram passos largos, como os de quem pudesse alcançar o âmago com as próprias mãos.
Sorriu. Dessa vez de medo. Numa tentativa inútil de não sentir ausência. Aquilo que segundos atrás se transformara em seu inferno. Perdeu-se em seus próprios passos numa noção de tempo perdido. Sabia que estava vivo e aquilo bastava. Jogou-se, como quem se esparrama, meio de lado. Sentiu as pernas. Os braços. E o vento não balançou o cabelo.
Partiu e não olhou pra trás. Eram passos de medo. Como os de quem rastejava por não saber o amanhã. Baseado nos segundos de paraíso que pudera observar dentro daquilo que era o seu inferno.
Não foi tocado nos lábios com voracidade. Sua mente vagava pelo limbo que criara há instantes. Lá onde não pode se vir nos olhos dele. Calculou assimetricamente os anseios do outro e mergulhou. Sabia que iria se encontrar. Era tudo questão de tempo. E o medo fazia com que parecesse uma eternidade.
Olharam-se de forma a fugir um do outro. A essência fora perdida. E por instantes eternos não se encontraram um nos olhos do outro. Como quem busca a paz atrelaram-se os dedos. Numa medida de buscar bruscamente a raiz daquilo que causava a dor.
Ouvi seus gritos e arrepiei-me todo. Despi-me por completo, a fim de encontrar a semente que gerava aquela sensação oca extasiada no céu da boca. Não pude enxergar estrelas, nem nada. Mas o conforto veio por instante quando lembrei o seu rosto clareado pela vasta lua que nos seguia.
Dopei-me dessa insegurança toda. Fiz caretas no espelho numa tentativa inútil de o ser. Fui, durante segundos, aquilo que nunca ousei ser. Fervi meu corpo e com lâminas me cortei. Sangrava por dentro. Gangrenada. Cuspi no chão todo o desequilibro sentido. Misturei todas as essências ao alcance dos olhos e ventei. Chorei por segundos a paisagem opaca e embaçada dos olhos e não ousei gritar.
Abaixei a cabeça na calçada sem ladrilhos e por lá fiquei. Senti um peso nas costas e alívio nas mãos. Buscava-o nas entrelinhas. Havia tanto e nada pude enxergar. Deixaste-me cego. Fechei os olhos na tentativa de fazer com que aquilo passasse. Nada, que nada. Clarice me diria, sem rodeios, que o obvio saiu do meu âmago e que algo parecia florescer dentro de mim. Eram tulipas de todas as cores. Despedaçadas. Vivas. Comiam-me por dentro. Saciaram-se do que antes era o eu.
Abri os olhos. Arregalei-os. Busquei. A claridade invadia. Ceguei-me. Abri os braços. Não havia. Procurei-o por toda parte e não pude o sentir. Lembrei-me do texto da porta. Ela tinha razão quando pariu. “Permito que você tome meu corpo em seus braços e que suas mãos agarrem meus cabelos.” E nada aconteceu. Abri a caixa com a única coisa concreta que havia. Mãos trêmulas. Desfocadas. Tentando ir ao âmago. Deixava, portanto, se evadir.